Sábado, 21 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 30 de setembro de 2024
Em 16 de setembro de 2023, o mundo começou a tremer. Uma gigantesca avalanche de rocha e gelo caiu nas águas profundas de um fiorde no leste da Groenlândia, desencadeando um megatsunami cujas ondas chegaram a uma altura de 200 metros. As ondas varreram as paredes do fiorde antes de fluir para o mar aberto.
Mesmo para esse canto da Groenlândia já propenso a avalanches, o colapso e o megatsunami foram chocantes por sua velocidade e ferocidade. Mas o que se seguiu foi ainda mais estranho.
O colapso desencadeou um rugido monótono que continuou por nove dias seguidos, forte o suficiente para ser detectado por sismômetros do mundo todo. E, no entanto, quando militares dinamarqueses visitaram o local, não encontraram nada de errado.
“É uma loucura”, disse Kristian Svennevig, geólogo do Serviço Geológico da Dinamarca e da Groenlândia e membro de uma equipe que investigou a anomalia. Ninguém tinha visto nada parecido.
“Imediatamente, um monte de pesquisadores uniu forças”, disse Finn Løvholt, pesquisador de tsunamis e deslizamentos de terra do Instituto Geotécnico Norueguês, em Oslo. A equipe cresceu rápido e passou a contar com especialistas de 15 países.
A Marinha dinamarquesa ofereceu ajuda. Mas nada do que se sugeriu como causa subjacente – de movimentos magmáticos peculiares a camadas de gelo oscilantes – parecia fazer sentido.
“Se não encontrássemos outra explicação, teríamos de optar por dragões ou monstros marinhos”, brincou Stephen Hicks, sismólogo do University College London.
Conforme relatado na revista Science, uma equipe de 68 cientistas conseguiu identificar a fonte do zumbido que estremeceu o mundo: um fenômeno natural bizarro, que martelou ritmicamente a superfície da Terra como um tambor.
“Não sei se alguém já viu algo nem remotamente parecido com isso antes”, disse Ben Fernando, sismólogo da Universidade Johns Hopkins que não participou do estudo. “É um resultado muito legal”.
A alegria de descobrir algo tão estranho deixou a equipe feliz. “Provavelmente foi por isso que muitas dessas pessoas se dedicaram à ciência”, disse Svennevig. “Com todos os nossos equipamentos e conhecimentos sofisticados, ainda assim, de vez em quando, descobrimos algo que não sabemos”.
Apesar da escassez de evidências conclusivas, uma hipótese ficou de pé. Talvez a avalanche tivesse criado uma onda estacionária que estava chapinhando para frente e para trás no fiorde. Tal onda, chamada seicha, é comum em lagos e portos, embora normalmente tome forma na presença de ventos fortes.
Então, apenas três semanas depois do drama de setembro, um segundo sinal sísmico (mais fraco) emergiu do fiorde e se espalhou pelo planeta. Também pareceu ter sido desencadeado por um deslizamento de terra e foi acompanhado por um tsunami menor. Verificando registros sísmicos históricos que remontam ao início dos anos 1980, a equipe logo encontrou quatro eventos semelhantes. Se esses sinais eram de seichas, talvez o murmúrio de setembro também fosse.
Mas havia um problema gritante com a hipótese da seicha. A avalanche e o tsunami foram grandes e fortes, mas efêmeros. Não estava claro como eles poderiam gerar ou sustentar uma seicha de nove dias.
Em desespero, um membro da equipe tentou recriar o chapinhar prolongado na banheira da sua casa. Infelizmente, o fiorde Dickson não é reto e simétrico, então a banheira não era um modelo adequado. O nobre experimento não funcionou.
A equipe então tentou modelar o evento no computador. Nas primeiras tentativas de construir simulações numéricas do tsunami, eles não conseguiram reconstruir a seicha. Então, os militares dinamarqueses deram a eles acesso a pesquisas de sonar de alta resolução do fundo do fiorde. Foi quando as evidências começaram a aparecer.
Simulações que levaram em conta a profundidade variável do fiorde mostraram que o megatsunami tinha se estabilizado na forma de uma seicha com uma frequência dominante de 11,45 milihertz – muito próximo da frequência de 10,88 milihertz do zumbido estranho. A cadência de nove dias da seicha virtual correspondeu à da onda de verdade. A geografia instável do fiorde sugeriu que a energia da seicha só vazaria para águas abertas gradualmente, ajudando a explicar sua longevidade.
Suas simulações também revelaram o motivo pelo qual a marinha dinamarquesa não conseguira ver as ondas da seixa a olho nu. Ela estava chapinhando os 2,7 quilômetros de um lado a outro do fiorde a cada 45 segundos. Depois de apenas três dias, a altura da onda tinha decaído para apenas alguns centímetros, tornando-a quase imperceptível para qualquer pessoa presente.
O estudo ressalta que nosso mundo em rápido aquecimento pode nos afetar de maneiras surpreendentes. O deslizamento de terra que deu início ao megatsunami foi desencadeado por uma película de gelo derretida. “As mudanças climáticas estão à espreita no fundo desta história”, disse Svennevig. Os pesquisadores agora ficarão alertas para sinais de alerta semelhantes em outras partes glaciais do planeta vulneráveis a megatsunamis.
Nove dias de tremor global podem ser impressionantes, mas não são um recorde. O devastador terremoto e tsunami de magnitude 9,1 de Sumatra-Andaman, em dezembro de 2004, abalaram o planeta por 18 dias. E se acredita que o asteroide Chicxulub, que encerrou o reinado dos dinossauros, 66 milhões de anos atrás, sacudiu a Terra por meses depois do impacto.
A diferença com o pandemônio da Groenlândia é que, felizmente, ele causou danos mínimos e zero vítimas.