Domingo, 09 de março de 2025
Por Redação O Sul | 8 de outubro de 2024
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tiveram papel secundário no 1º turno das eleições municipais, mas o resultado não é representativo de quem estará forte na próxima eleição presidencial, afirma o cientista político Carlos Melo, mestre e doutor pela PUC-SP e professor do Insper.
Quem saiu vitorioso, afirma, é o Centrão, que elegeu a maioria dos prefeitos e larga na frente para continuar a comandar o Congresso na próxima legislatura.
Do lado de Lula, a perda de popularidade em relação a mandatos anteriores e o aumento do antipetismo o fizeram optar por postura mais distante. No caso de Bolsonaro, houve perda de segmentos importantes do seu eleitorado para outros atores, como o influenciador Pablo Marçal (PRTB) e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Leia os principais trechos da entrevista:
1) O presidente Lula teve participação tímida na campanha e, diferentemente de eleições anteriores, praticamente não se envolveu. Qual o motivo disso?
Muita coisa mudou entre o segundo mandato e este terceiro. Lá atrás, o Lula gozava de popularidade extraordinária. Encerrou o segundo mandato com
popularidade superior a 80%. Hoje a popularidade do governo está em torno de 35%, 40%. A do presidente é um pouco maior. Outra questão é que o PT sempre foi um partido controverso, mas a partir da Lava-Jato e da crise econômica do governo Dilma, o antipetismo cresceu muito. Também é importante frisar que se passaram 14 anos. O presidente hoje tem 78 anos, a disposição física diminui.
2) Mas isso teve consequências para as campanhas a prefeito?
Um erro que muitos analistas cometeram antes da campanha foi dar
fundamental importância para a disputa entre o Lula e o Bolsonaro. Eles têm
importância, têm piso [de votos] bastante alto, mas têm teto baixo. Ajudam até um ponto, mas a partir daquele ponto param de ajudar – e acho que eles transferiram [de votos] o que poderiam.
3) Boulos apostava em maior participação do Lula para deslanchar entre os
eleitores de baixa renda, mas isso não aconteceu.
Em São Paulo, a esquerda sempre teve mais dificuldade no centro e mais
força na periferia. Mas, antes mesmo antes da campanha, já havia dados que
mostravam que nesta eleição não seria bem assim. O adversário também joga e houve ações da prefeitura nestas regiões. Na zona sul, o Nunes ganhou de lavada. O Lula não tem uma varinha de condão de chegar lá e ser seguido por todo mundo.
4) Nunes é o favorito ou Boulos ainda tem chance de virar?
Claro que, aparentemente, o Nunes é favorito. Mas há fatores negativos para
ele. A máquina de campanha, os candidatos a vereador, estarão mais
desmobilizados. O tempo de propaganda na TV será igual ao do Boulos. E é preciso verificar como o eleitor do Marçal vai se comportar porque os embates entre eles pegaram fogo, Marçal dizia que seria eleito e iria colocá-lo na cadeia. Pode ter aumento nos votos em branco, nulos e abstenções com um primeiro turno tão acirrado.
5) Bolsonaro se engajou mais nas campanhas. Qual o resultado dessa
participação?
O eleitor do Bolsonaro em 2018 e 2022 não é um todo coeso. É fragmentado.
Podemos, a grosso modo, dividi-lo em três partes: o mais extremista e antipolítica; o conservador/religioso; e o da direita que se diferencia desse eleitor antissistema – que acho inapropriado chamar de moderada porque, quando se alia com o extremismo, deixa de ser moderada. Temos que olhar para esse conjunto e ver o que aconteceu. O Bolsonaro não é um líder que as pessoas seguem como se fosse o salvador do futuro. Ele é a expressão de um sentimento político de uma parcela da sociedade.
6) E como se comportaram?
O setor extremista nunca se encantou pelo Ricardo Nunes. Esse eleitor é
antissistema e o Ricardo Nunes é o político tradicional. Esse eleitor se encantou pela fúria antissistêmica do Pablo Marçal. E o Bolsonaro comete um erro tático: ao invés de enfrentar o Marçal, ele ficou silente, receoso. O [governador] Tarcísio [de Freitas] percebe um certo vazio, banca o Nunes e avança na direita não radical. Ou seja, o Bolsonaro vai perdendo parte da extrema direita para o Marçal e a direita que não é extrema para o Tarcísio. E fica à mercê do setor conservador religioso e evangélico.
7) Ele sai enfraquecido?
É bom lembrar que ele não foi bem nas eleições municipais de 2020. O Celso
Russomanno era o candidato dele em São Paulo e ficou fora do segundo turno. Mas as eleições estão mostrando o Bolsonaro num tamanho muito menor do que se imaginava e esses setores vão se identificando com outras referências. São Paulo é a joia da coroa. O Marçal teve 28% dos votos ao arrepio da vontade do Bolsonaro. E o Nunes chegou a 30% dos votos a despeito do Bolsonaro. Neste segundo turno, se é que a gente pode colocar disputa entre padrinhos, será entre Tarcísio e Lula, e não entre Bolsonaro e Lula.