Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 12 de outubro de 2024
O volume de ações trabalhistas envolvendo questões ligadas à automação e à inteligência artificial cresce ano a ano e uma nova tese ganha força na Justiça do Trabalho: a “subordinação algorítmica” – relação controlada pelo algoritmo do aplicativo. A discussão, que envolve vínculo de emprego com plataformas de prestação de serviços, divide, porém, o Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Pesquisa liderada pela advogada Leticia Ribeiro, sócia do Trench Rossi Watanabe, com base em levantamento de dados da empresa de jurimetria Data Lawyer, mostra que o número de processos citando inteligência artificial vem crescendo consistentemente desde 2019. Naquele ano, havia apenas 218 ações, passando para 640 em 2020, 1.098 em 2021, 2.463 em 2022 e chegando a 4.531 em 2023.
Até junho deste ano, havia 2.715 processos. Se for mantido o ritmo atual, o número de reclamações trabalhistas ativas deve chegar a 5,5 mil – um aumento de 22% em relação ao ano passado.
Considerando apenas os processos ativos, o valor total das ações nos últimos 10 anos é de aproximadamente R$ 2,9 bilhões, o que equivale a uma média de R$ 252 mil por causa.
Chamou a atenção da especialista a prevalência da tese da “subordinação algorítmica”, que tem normalmente como partes as plataformas de transporte e entregas 99 Tecnologia, Uber, Rappi e iFood. Também se discute em ações envolvendo inteligência artificial, de acordo com o levantamento, dano moral por uso de dados sensíveis de empregados pelas empresas.
Com a subordinação algorítmica, alegam os trabalhadores, estariam sujeitos às ordens do algoritmo, com risco de sanção disciplinar e até expulsão da plataforma devido à falta de assiduidade de conexão ao aplicativo e das notas atribuídas pelos clientes.
Os trabalhadores argumentam ainda que não têm liberdade nem autonomia para definir os preços dos serviços prestados, nem possibilidade de escolha dos clientes. Para eles, haveria atividade de fiscalização, regulamentação e disciplina no trabalho por aplicativo.
No Tribunal Superior do Trabalho (TST), os colegiados se dividem sobre o tema. A 1ª, a 4ª e a 5ª Turmas não reconhecem o vínculo de emprego entre motoristas e aplicativos, mesmo explorando o conceito de subordinação algorítmica em suas decisões.
Em um dos precedentes da 4ª Turma, o relator, ministro Alexandre Luiz Ramos, afirmou que a tese da subordinação algorítmica “não é uma chave-mestra que abre as portas da CLT para todas as formas de trabalho por plataforma”. Segundo ele, todas as formas de plataforma estão sujeitas a algoritmos, mesmo as de música, relacionamento e entretenimento.
Por outro, lado, a 2ª, a 3ª, a 6ª e a 8ª Turmas entendem que o modo de trabalho dos motoristas e entregadores obedece aos requisitos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para configuração de vínculo. A 7ª Turma não chegou a analisar o mérito da questão.
O ministro Maurício Godinho Delgado, em julgamento na 3ª Turma, ressaltou que a relativa liberdade do profissional para definir seus horários de trabalho e folga e o fato de ser o dono do meio de locomoção usado para fazer as entregas “são circunstâncias que não têm o condão de definir o trabalho como autônomo e afastar a configuração do vínculo de emprego”.
A palavra final caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros vão discutir a possibilidade de reconhecimento de vínculo dos aplicativos. Ainda não há data marcada para o julgamento.
Para Leticia Ribeiro, para além da decisão do Supremo, é essencial a regulamentação da situação dos trabalhadores de aplicativos. “É preciso regulamentar, não só pela questão trabalhista, mas também pela previdenciária. Não acredito que se trate de uma relação de emprego típica, que tenha que ter todos os encargos, mas talvez seja uma nova figura”, diz.
Uso de dados
Mas o impacto da tecnologia nas relações trabalhistas não se resume ao vínculo. Empregados têm processado as empresas por uso de dados considerados sensíveis para controle de jornada e do próprio trabalho, aponta o levantamento de Leticia Ribeiro.
Rafael Caetano de Oliveira destaca o tema do uso dos mecanismos de geolocalização dos celulares para controlar o cumprimento de tarefas por trabalhadores que prestam serviços externos. Segundo ele, a jurisprudência tende a admitir que o registro serve como meio de prova em processos, nos casos em que os celulares foram fornecidos pela própria empresa.
A advogada trabalhista Stella Castro aponta que outra possibilidade de dano moral, ainda sem jurisprudência consolidada no Judiciário, é o vazamento de informações de candidatos, que não chegaram a ser contratados pela empresa, mas cujos dados ficaram sob sua guarda.