Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 19 de outubro de 2024
O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a analisar uma ação que questiona a possibilidade de cooperativas médicas pedirem recuperação judicial. Após o voto do relator, o ministro Alexandre de Moraes, favorável às cooperativas, e o posicionamento contrário, do ministro Flávio Dino, o julgamento foi suspenso e deverá ser retomado nesta semana.
A ação, proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR), não questiona a inclusão das cooperativas entre as beneficiárias da Lei de Recuperação Judicial e Falência, mas o processo legislativo que culminou na nova redação da norma. O projeto se originou na Câmara dos Deputados e foi enviado ao Senado, que acrescentou um dispositivo afastando a aplicação dos efeitos da recuperação judicial às cooperativas, exceto em relação às da área médica.
A discussão envolve o parágrafo 13 do artigo 6º, incluído pela Lei nº 14.112/2020. Afirma que “não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial os contratos e obrigações decorrentes dos atos cooperativos praticados pelas sociedades cooperativas com seus cooperados, na forma do artigo 79 da Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, consequentemente, não se aplicando a vedação contida no inciso II do artigo 2º quando a sociedade operadora de plano de assistência à saúde for cooperativa médica.”
Após aprovado nas duas casas legislativas, o artigo foi vetado pela presidência da República, mas o Congresso derrubou o veto. A PGR sustenta que, como a emenda modificou o texto original, deveria ter sido considerada “aditiva”, o que obrigaria o retorno à Câmara dos Deputados para avaliação das mudanças.
No STF, o ministro Alexandre de Moraes, votou para reconhecer a constitucionalidade da mudança para não interferir no funcionamento do Poder Legislativo. Segundo ele, “seria uma ingerência muito grande do Supremo entrar na interpretação de minúcias do regimento interno do Senado e da Câmara”, quando nem mesmo a casa iniciadora do projeto questionou a alteração feita pela casa revisora.
“O relator, Rodrigo Pacheco, acolheu uma proposta como emenda de redação, e com isso é possível identificar que o que se discute é a redação. Se a Câmara tivesse entendido que houve desrespeito à sua deliberação como casa principal nesse projeto, ela não teria derrubado o veto por maioria absoluta. Ela teria, ela própria, preservado suas prerrogativas”, disse.
O ministro Flávio Dino abriu divergência. Segundo ele, mesmo sem julgar o mérito da validade de exceção às cooperativas médicas, é possível atestar que a emenda modificou a proposta original e, por isso, haveria inconstitucionalidade formal na tramitação do projeto. “Não se cuida de interpretar o regimento, mas sim aferir a legitimidade do processo legislativo no que ele tem de essencial”, ressalvou.
Dino destacou que a exceção às cooperativas médicas afronta todo o sistema da Lei de Recuperação Judicial e Falência. Isso porque, diz ele, o artigo 1º determina que os institutos se referem ao “empresário” e à “sociedade empresária”, e o artigo 2º diz que não se aplicam a “cooperativa de crédito” nem a “sociedade operadora de plano de assistência à saúde”.
O ministro acrescentou que a redação final da proposta ficou confusa, porque o trecho que vem depois do advérbio “consequentemente”, na verdade, se opõe ao que veio antes. “Deveria dizer ‘no entanto’, ‘todavia’. Não estamos fazendo juízo de mérito, se o Senado acertou ou errou, mas [o PL] deveria ter retornado à casa iniciadora, uma vez que houve alteração substantiva no comando legiferante e uma mudança na lógica da lei”, defendeu Dino ao votar.
O julgamento será retomado na próxima sessão. Mas o ministro Luiz Edson Fachin já indicou que vai acompanhar o relator, assim como o ministro Dias Toffoli, que lembrou da própria atuação como assessor parlamentar. Em casos de dúvidas quanto à natureza das emendas, segundo Toffoli, os próprios parlamentares costumam sinalizá-las durante a tramitação. Já André Mendonça concordou com o voto de Flávio Dino.
Para Flávio Molinari, sócio do Collavini Advogados, a aprovação no Senado alterou o sentido da proposição legislativa originária e, por isso, a divergência “se amolda à técnica do processo legislativo”. Segundo ele, se prevalecer a tese do relator “podemos abrir um precedente preocupante na relação entre Câmara e Senado enquanto instâncias revisoras de proposições legislativas comuns”.
Maiara Henriques Pires, do Machado Associados, também considera que houve alteração substancial na deliberação do Senado. “O fato de o veto ter sido afastado por ambas as casas legislativas não muda o que a Constituição prevê. A necessidade de passar pelas duas casas é cláusula pétrea. Dar abertura a esse tipo de interpretação possibilita aplicá-la também para outros casos.”