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Mundo O significado da disputa entre Kamala e Trump nesta terça-feira

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Os dois candidatos estão empatados, conforme pesquisas recentes. (Foto: Reprodução)

Kamala Harris, vice-presidente dos Estados Unidos e candidata democrata à Presidência, fez o discurso culminante de sua campanha eleitoral na semana passada, no mesmo local em Washington de onde seu rival republicano, o ex-presidente Donald Trump, incitou a multidão que invadiu o Capitólio tentando reverter o resultado das eleições no fatídico 6 de janeiro de 2021. “Será provavelmente o voto mais importante que vocês jamais darão”, disse ela. “Esta eleição é mais que uma escolha entre dois partidos e dois candidatos diferentes. É uma escolha a respeito de o país ser enraizado na liberdade para todo americano ou governado pelo caos e pela divisão.”

É fato. Poucas eleições na História foram tão determinantes para o futuro dos Estados Unidos. Nesta, não está em jogo apenas a maior potência econômica e militar da Terra, mas o planeta todo. Kamala e Trump representam visões antagônicas em temas críticos como mudanças climáticas, criminalidade, direitos de minorias, aborto ou imigração. E as pesquisas não permitem arriscar quem vencerá. Em razão do convoluto sistema eleitoral, a decisão estará nas mãos de um punhado de eleitores de poucos distritos decisivos em seis ou sete estados. Para todos os efeitos, os dois têm chances equivalentes.

Mas isso não significa que sejam equivalentes. As palavras de Kamala em Washington são a prova de que o motor da eleição não é nenhum dos temas críticos que polarizam o eleitorado. Tampouco a reviravolta na campanha depois da desistência do presidente Joe Biden, cujo declínio cognitivo ficou evidente. O que está em jogo nas urnas é o futuro da democracia no país, e Trump, pelo que diz e prega, é quem traz os maiores riscos.

A imprensa tem definido os temores nos termos mais duros. “Difícil imaginar candidato mais indigno”, diz o New York Times. “Temperamentalmente inepto a um papel que requer as mesmas qualidades — sabedoria, honestidade, empatia, coragem, contenção, humildade, disciplina — que mais lhe faltam.” Para a New Yorker, “os Estados Unidos simplesmente não podem suportar mais quatro anos de Trump”. A Atlantic, que em dois séculos só empenhara apoio a Abraham Lincoln e Lyndon Johnson, pela terceira vez declarou voto contra Trump, descrevendo-o como “um dos candidatos pessoalmente mais malignos e politicamente mais perigosos na História americana”. Mais sóbria, a britânica The Economist afirmou que “ao tornar Trump líder do mundo livre, os americanos fariam uma aposta de risco com a economia, o domínio da lei e a paz internacional”. Mesmo o Washington Post, que se recusou a apoiar candidato, classificou Trump como vulgar, afirmando que ele “já provocou danos severos à política americana ao corroer o discurso público e torná-lo mais grosseiro”.

Metade do país, porém, pretende votar em Trump. E é preciso entender a motivação desses eleitores. Há uma preocupação legítima com a imigração ilegal, que só tem crescido em razão da dificuldade do governo Biden de controlá-la. Como vice, Kamala foi encarregada de lidar com o problema — e fracassou. Na cena global, o governo Trump deixou como legado os Acordos de Abraão, última esperança de paz no Oriente Médio antes do atual conflito, e levou aliados da Otan a investir mais na própria defesa, aliviando a carga dos americanos. Seu temperamento errático e imprevisível inspirava temor em adversários como a China. É verdade que, dadas suas simpatias por Vladimir Putin, ele não teria pudores em abandonar a Ucrânia à própria sorte ou em sabotar a aliança atlântica. Mas nada disso tem efeito imediato para o eleitor médio.

Em contrapartida, suas propostas populistas para a economia — em especial as tarifas de 20% a 500% sobre importações e os cortes generosos de impostos — exercem grande poder de atração. São soluções fáceis de entender, apreciadas pelos beneficiários do protecionismo ou das isenções, embora resultem em déficit público fora de controle, pressões inflacionárias, mais juros e menos crescimento. Por fim, Trump continua a representar o espírito de revanche dos grupos que, com a globalização, se viram alijados de representatividade e ficaram para trás. Para estes, o fato de ter sofrido dois impeachments, sido condenado criminalmente e ainda enfrentar processos na Justiça só funciona como evidência de que é perseguido.

Mesmo os republicanos que reconhecem as deficiências na personalidade e no caráter de Trump costumam dizer que ele já governou o país durante quatro anos sem que houvesse danos irreparáveis. “O melhor argumento que se pode fazer em favor do primeiro mandato de Trump é que havia uma tensão construtiva entre sua desinibição e as restrições da burocracia e das instituições”, diz o colunista político Ezra Klein. “O que mudou, mais que Trump, são as pessoas e instituições ao redor dele.”

Apenas metade dos 42 ex-integrantes de seu gabinete apoia a volta de Trump ao poder. Nomes de relevo que trabalharam com ele — dois ex-secretários da Defesa, um ex-secretário de Estado, dois ex-assessores para Segurança Nacional, os ex-chefes da Casa Civil e de Estado-Maior, além do próprio ex-vice-presidente Mike Pence — não se cansam de repetir que o consideram uma ameaça. Trump aparelhou o Partido Republicano com acólitos fiéis e tem planos de fazer o mesmo com o Estado. Para Klein, ele está cercado de sicofantas, incapazes de lhe impor a resistência e o controle que evitaram o pior em seu primeiro mandato: “Não apenas o homem é inepto; as pessoas e instituições que o cercam também são”.

O maior risco da eleição de Trump é uma crise sem precedentes na democracia mais longeva do mundo — o 6 de Janeiro é apenas um prelúdio do que poderia acontecer —, com consequências imprevisíveis para a paz global e o futuro do planeta Terra. Não menos que isso. (Opinião/Jornal O Globo)

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