Terça-feira, 05 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 5 de novembro de 2024
Sem uma estratégia crível de corte de gastos, a economia brasileira deverá enfrentar um cenário de bastante dificuldade. Analistas alertam que uma política fiscal frouxa acarretará num ciclo bastante perverso já conhecido: a percepção de risco elevada manterá o real desvalorizado, o que trará impactos diretos sobre a inflação e na condução da política monetária.
Hoje, o Brasil enfrenta um dilema em suas contas públicas. A economia brasileira já é bastante endividada para uma nação emergente, e percepção de risco é elevada, pois não há uma previsão clara de quando o endividamento do País vai ser estancado.
O mercado e os analistas, portanto, aguardam com ansiedade o pacote de cortes de gastos que será apresentado pela equipe econômica. Nesta segunda-feira, 4, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou acreditar que as medidas devem ser anunciadas nesta semana.
Mais do que trazer previsibilidade para as contas públicas do País, as medidas são necessárias para fazer com que o arcabouço fiscal sobreviva num cenário em que as despesas obrigatórias estão esmagando as discricionárias. Uma das possibilidades em estudo é limitar as principais gastos do Orçamento a um crescimento real de 2,5% ao ano, o mesmo teto do arcabouço.
Analistas detalham o que pode acontecer se o pacote do governo for considerado tímido. Leia análises de Alessandra Ribeiro, sócia e diretora na Tendências Consultoria; Alexandre Manoel, economista-chefe da Az Quest; Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners; Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados; e Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management.
* Alessandra Ribeiro
Nas últimas semanas, há uma piora importante na percepção de risco com relação à economia brasileira, devido à junção de elementos externos e domésticos, com a potencial eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e seus efeitos adversos para economias emergentes e as consequências sobre um cenário interno já marcado por preocupação com a sustentabilidade do arcabouço fiscal e a dinâmica das contas públicas.
Neste contexto, é grande a expectativa em torno do anúncio do governo sobre o programa de corte de gastos. No entanto, dado o atual nível de deterioração das expectativas e precificação de risco nos ativos financeiros, o ideal é que o pacote seja ambicioso, endereçando questões estruturais como a vinculação do piso previdenciário à política de reajuste do salário mínimo, o Benefício de Prestação Continuada/Loas, pisos constitucionais de saúde e educação, atualmente atrelados ao desempenho das receitas federais, e reformulação do abono-salarial.
No momento, o principal risco é de anúncio de medidas de impacto pequeno ou moderado, na linha de um pente-fino de programas já existentes, ou de pouca factibilidade. Neste caso, deve ser observada nova onda de piora das expectativas, que deve se traduzir em novos movimentos de depreciação do real, de aumento dos juros futuros e de queda da bolsa. O Banco Central teria de ser ainda mais agressivo no ciclo atual de aperto da política monetária.
A piora precificada pelos ativos financeiros afeta a economia real com alguma defasagem. Assim, esse cenário resultaria em queda da confiança dos agentes econômicos, piora nas condições de crédito às famílias e empresas e menor propensão ao consumo e investimentos, ou seja, menor crescimento econômico e efeitos adversos para o mercado de trabalho.
Para as contas públicas, o cenário desenhado torna o quadro ainda mais desafiador, dados os efeitos negativos para a arrecadação e para o aumento do custo financeiro de rolagem da dívida pública, na medida em que há exigência de juros mais altos para financiar um ativo percebido como mais arriscado.
* Alexandre Manoel
O encerramento do mercado na última sexta-feira, 1º de novembro, refletiu um cenário preocupante para a economia brasileira, com o dólar cotado acima de R$ 5,80 e pressionado para cima, além dos juros longos superando 13%, o que indica uma taxa de juro real acima de 8%. Esse contexto sinaliza as dificuldades que o País pode enfrentar caso o pacote de ajuste nas despesas obrigatórias não se mostre eficaz para conter a crescente percepção de falta de sustentabilidade da dívida pública.
Para uma melhora na percepção do mercado sobre a situação fiscal do Brasil, o governo precisa demonstrar um horizonte de sustentabilidade para as contas públicas. Isso só será alcançado caso se torne crível que o déficit primário estrutural, projetado pelo mercado em cerca de 0,5% do PIB, será revertido, transformando-se em um superávit primário estrutural capaz de garantir a sustentabilidade da dívida ao longo do tempo.
Durante o governo Jair Bolsonaro, a despesa primária em relação ao PIB era de 18%. A expectativa é que esse índice tenha se elevado permanentemente para 19% no governo atual, com perspectiva de crescimento especialmente pelas iniciativas de gastos parafiscais. Em contrapartida, a receita líquida, descontadas as transferências, passou de 17,5% para 18,5% do PIB, deixando, assim, um déficit primário estrutural de aproximadamente 0,5% do PIB.
Desde 2023, o atual governo ainda não demonstrou um compromisso claro com a restrição orçamentária. O ministro Fernando Haddad alega ter herdado despesas obrigatórias sem fonte de financiamento definida, como os custos adicionais da complementação federal do Fundeb e das emendas impositivas.