Sexta-feira, 15 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 10 de novembro de 2024
A brasileira Keila Melo, de 40 anos, comanda um negócio na área de limpeza em Derry, cidade de 35 mil habitantes em New Hampshire. Há duas décadas nos Estados Unidos, ela votou no presidente eleito Donald Trump esta semana e se define como uma mulher conservadora. Vive no Estado da progressista Nova Inglaterra, onde seu escolhido chegou mais perto da vitória – obteve 48,2% dos votos, contra 50,8% da vice-presidente Kamala Harris.
Mas no condado de Hillsborough, que concentra a comunidade latina local, e no qual vive a mineira de Ipatinga, o ex-presidente venceu com 56% dos votos. Há quatro anos, o presidente Joe Biden derrotou ali seu antecessor por 53% a 45%. E o que aconteceu com a área em torno de Nashua, a maior cidade da zona eleitoral de Keila, repetiu-se país afora. A migração mais veloz de latinos para a direita é uma das explicações para a vitória mais contundente do republicano do que apontavam as pesquisas.
Dados oficiais mostram que, nos oito anos de Obama, 5,2 milhões de pessoas foram deportadas, contra 1,6 milhão nos quatro de Trump. O republicano, no entanto, em sua primeira entrevista após ser eleito novamente presidente, na sexta-feira (8), afirmou que priorizará a deportação de 11 milhões de pessoas sem documentação regularizada no começo de seu segundo governo. Durante a campanha, ele os classificou de “animais”, “vindos de cadeias e sanatórios”, que “envenenam o sangue dos americanos”.
A brasileira entrou no país de forma irregular, pela fronteira com o México. Passou uma década e gastou “muito dinheiro” até conseguir a cidadania. Não acha justa uma reforma da política migratória que acelere o processo de quem percorreu o mesmo caminho.
“Um comportamento comum na história da imigração nos EUA, e não apenas na dos latinos, é de quem se estabelece legalmente passar a defender mais rigor para os que tentam seguir seus caminhos. No país símbolo do capitalismo, há o cacoete social de se perceber “vencedor” em comparação com quem está em situação mais difícil”, afirma Silvia Pedraza, professora de Sociologia e História da Universidade de Michigan.
A acadêmica se debruça há décadas sobre o comportamento dos eleitores latinos. No plural, pois cubano-americanos, como ela, estabeleceram lugares na cultura e no engajamento com os dois partidos majoritários dos EUA diversos dos de mexicano-americanos e porto-riquenhos, por exemplo. Os primeiros, anticastristas, votam tradicionalmente com os republicanos; os outros dois grupos foram absorvidos em sua maioria pela coalizão democrata desde a luta pelos direitos civis, nos anos 1960.
Mas outra transformação, iniciada ainda nos governos George W. Bush (2001-2009), parece ter se consolidado este ano. O mago de suas campanhas vitoriosas ao governo do Texas e à Presidência, Karl Rove, foi uma das primeiras vozes de peso a duvidar do cálculo demográfico dos democratas de que os hispânicos, grupo que mais se multiplicou no país desde a virada do século, garantiriam o domínio do partido por anos.
Rove os rebateu com duas palavras: “doce ilusão”. E comprovou esta semana sua profecia do início deste século: “Os latinos são conservadores em sua maioria e a casa natural deles é o Partido Republicano. Eles apenas ainda não encontraram o caminho”.
Machismo e pragmatismo
Números da pesquisa de boca de urna ABC News/Washington Post escancaram a migração, em quatro anos, especialmente dos homens latinos, que votaram em sua maioria em Biden (63%) e agora em Trump (54%). Entre as mulheres a diferença foi menor, mas o republicano avançou 7 pontos percentuais em relação ao seu desempenho há quatro anos.
— Há vários fatores nessa migração, e um deles é o machismo presente na cultura hispânica. Mas suspeito que o principal é a súbita impossibilidade para novas gerações, daí a curva se alargar entre os mais jovens, de realizarem aquelas que são as duas representações centrais do sonho americano dos imigrantes latinos desde o século passado: a compra da casa própria e a conquista do curso superior. Conquistas que ficaram muito mais caras e impeditivas no governo Biden — diz Pedraza.
A percepção de que os democratas perderam o termômetro do país e a identificação com o outro lado na pauta cultural e de costumes — anunciada por Rove e facilitada pela linguagem populista do trumpismo — criaram, aponta a professora, terreno fértil para a migração de votos. As informações são do jornal O Globo.