Quinta-feira, 12 de dezembro de 2024
Por Luiz Carlos Sanfelice | 11 de dezembro de 2024
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Meu avô José, vindo da Itália ainda bem criança, junto com seu pai Pietro, moravam na chamada 4ª Colônia ao redor de Santa Maria e lá por volta de 1888 meu avô, já casado, atraído pelo “chamamento” de ocupação de novas terras, foi para Ijuí e se instalou como comerciante na beira de uma estradinha que ligava Fachinal à Santa Lúcia, lugarejos no interior do interior da nova colônia, oficialmente criada só em 19deOutubro de 1890. A um dos filhos de meu avô, deram o nome de Benevenuto (meu pai) que na família e entre os amigos, ficou reduzido a Venuto e, posteriormente, os netos reduziram para Vô Nuto. Aquela região era ainda coberta por espessa e quase impenetrável floresta e era habitat natural de ‘mil’ espécies, inclusive onças. Até por volta de 1940 era considerado um verdadeiro ato de heroica valentia, enfrentar e matar uma onça. Depois, paulatinamente e muito lentamente, os conceitos de preservação e de convivência, foram sendo reconsiderados. O fato é, contudo, que lá por 1925, uma onça andava lá pelos arredores “pegando” cabritos, terneiros, aves, etc. e causando perdas nos ainda pequenos haveres dos colonos e criando pânico em todos, especialmente, nos que precisavam “ir à venda”, ir à escola, ou ter que andar nas estradinhas locais. Mas o Venuto, já ’grandote’, tinha fama de valente e bom atirador (o sniper da colônia), e instigado pelo povo, armou uma espera e numa determinada noite, “liquidou” o assunto, que virou tapete. O fato foi amplamente comemorado. Os anos passaram.
Em 1990, na maior felicidade do mundo, eu me tornei avô. Uma muito amada garotinha que recebeu o nome de Marina. Era “meus dodóis”. Desde cedo eu inventava historinhas de bichinhos, peixinhos, gatinhos, camundongos e “plutos, patetas e mickeys da vida” e contava para ela. Já por volta dos 3, 4 anos, contava-lhe historinhas de dragões bonzinhos, jacarés brincalhões e… por aí vai. Foi quando me ocorreu contar a história da “onça do vô nuto”. Ele já havia morrido e ela não chegou a conhecer o biso. Mas, por cuidado, “enfeitei” o desenrolar da história e alterei o desfecho, dando um final feliz para todos. O fato é real, mas a versão que criei eu contava assim: “O Vô Nuto morava numa casa grande ao lado de um campo bonito pertinho de um lugarejo muito pequeno, tão pequeno que nem praça tinha, mas tinha outros moradores nas terras por ali. Conta que, de certa feita, um dia, por lá apareceu uma onça. Grande, linda, bonita, mas muito feroz. Quando ela sentia fome, ela andava por lá, de noite, e pegava um cabrito, ou um porco, ou uma galinha, e as pessoas ficavam brabas e chateadas por que eles perdiam os poucos bichos que eles tinham. Então eles se reuniram e pediram pro Vô Nuto dar um jeito nisso. O Vô Nuto tinha um cachorrinho pequeninho, muito pequeninho, que se chamava ‘Pituca’ e, então ele preparou um jeito de pegar a onça. Fez um cercado no potreiro da casa e botou lá dentro uns 5 cabritos. Pegou o Pituca e com um barbeador raspou todo pelo dele e deixou que nem quando a gente faz a barba – lisinho, lisinho, e pegou um litro de azeite e lambuzou todo ‘Pituca’ que ficou tão liso que ninguém conseguia segurá-lo. E de noite o Vô Nuto pegou a espingarda, um porrete e o Pituca e ficou num canto do cercado em baixo de um pano escuro, esperando. E o tempo passou… e passou. Quando foi lá por volta da meia-noite ele viu um vulto no escuro se chegando e dois olhos brilhando refletindo a luz da lua. Era a Onça chegando. Quando a Onça pulou o cercado pra pegar um cabrito, o Vô Nuto gritou: ‘PEEEGA PITUCA’ – o Pituca saiu na maior disparada – a onça viu e pensou: ‘esse aí eu como numa bocada’ e abriu a boca. O Pituca veio tão ligeiro e tava tão liso que entrou ‘rachando’ pela boca e liso como tava, escorregou por dentro da onça e saiu pelo ‘fiofó’ da onça, que levou um susto. O Pituca deu a volta, correu e foi de novo – entrou pela boca e saiu pelo fiofó e a onça ficou toda atrapalhada e o Vô Nuto aproveitou e deu uma paulada na onça, que desmaiou. Então o Vô Nuto botou a onça numa gaiola grande e levou de caminhãozinho até a cidade onde eles mandaram a onça pro zoológico, na Capital. E assim todas pessoas ficaram contentes e fizeram um churrasco para comemorar”.
Acho que eu contei essa historinha umas 50 vezes pois ela sempre queria ouvir e a cada amiguinho e/ou coleguinha de pré-escola ela queria que eu contasse. Quando ela estava com uns 7 anos ela pediu que a levasse no zoológico que ela queria ver a “onça do Vô Nuto”. Levei-a e ao chegar na tela da grande área que circunda o terreno onde tem umas 8 ou 10 onças, lá no Zoológico, eu mostrei e disse que depois de tanto tempo, eu não conseguia mais saber qual delas era a do Vô Nuto, mas escolhi a mais vistosa delas e disse: “Olha, acho que é aquela ali”…. e ficou assim.
Faz quase 30 anos, mas guardo com carinho a imagem dos atentos olhinhos de minha neta ouvindo minhas historinhas. Me faz bem, lembrar.
(Luiz Carlos Sanfelice, advogado jubilado, auditor – lcsanfelice@gmail.com)
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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