Domingo, 15 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 14 de dezembro de 2024
Os espiões russos que circularam pela Europa com passaportes argentinos até serem presos na Eslovênia, no final de 2022, forneceram novas informações sobre como esconderam suas verdadeiras identidades durante anos — e como aproveitaram uma paixão latino-americana, o futebol, para se comunicar com seus superiores em diferentes ocasiões ou mesmo visitar suas famílias. A família foi recebida no aeroporto de Moscou, em agosto, pelo presidente Vladimir Putin, após troca de prisioneiros com o Ocidente.
Conhecidos em Buenos Aires como Ludwig Gisch e María Rosa Mayer Muños, os russos Artem Dultsev e Anna Dultseva confirmaram que o casamento que celebraram em Buenos Aires, em 2015, foi forjado, porque já estavam casados na Rússia desde dezembro de 2004. O enlace na Argentina proporcionou-lhes mais documentos oficiais para o que chamam de “lenda”, no jargão dos serviços de inteligência.
O casal explicou ainda que, após a sua detenção na Eslovênia, foram autorizados a ver seus filhos, argentinos nativos e menores de idade, uma vez por semana. Durante essas reuniões, as conversas foram em espanhol.
“Para apoiar as crianças e uns aos outros, começamos a repetir uma frase – ‘somos fortes, somos uma família’, em espanhol, com a qual encerramos todas as nossas reuniões”, explicou a mulher.
Estes e outros dados surgiram durante a entrevista que os Dultsev deram à revista do Serviço de Inteligência Estrangeira (SVR) da Rússia, para a qual trabalham, e que foi publicada nesta quarta-feira em Moscou. A publicação traz fotos do casal com o chefe do SVR, Sergei Naryshkin, ao receberem a honraria da Ordem do Valor, concedida por decreto do presidente russo, Vladimir Putin.
Segundo os espiões, ambos passaram por formação intensiva de três ou mais anos no SVR antes de serem enviados com identidades falsas ao estrangeiro. Na função, acumularam vários contratempos — como quando o FBI prendeu dez espiões russos nos Estados Unidos na chamada “Operação Histórias de Fantasmas”, em meados de 2010, e Dultsev teve que regressar a Moscou com urgência devido ao risco de a sua identidade também ter sido exposta.
Após dois anos de espera na Rússia, onde retomaram os treinamentos e aprenderam um terceiro idioma, os dois espiões foram enviados para a Argentina: ele, como Gisch; ela, como Mayer Muños. Eles se instalaram em um apartamento na cidade de Buenos Aires, onde tiveram seus filhos Sophie e Daniel em 2013 e 2015. Migraram para a Eslovênia em 2017 e estiveram na Argentina pela última vez em 2022.
De acordo com a acusação do Ministério Público esloveno, ambos os espiões aproveitaram suas frequentes viagens a diferentes partes da América Latina e da Europa para se encontrarem com os seus contatos do SVR ou outros espiões. Sem negar ou confirmar, os Dultsevs disseram na entrevista que aproveitaram a Copa do Mundo realizada na Rússia, em 2018, para viajar para Nizhny Novogorod, onde a seleção argentina perdeu por 3 a 0 para a Croácia.
Sob as identidades de Gisch e Mayer Muños, os agentes foram ao estádio para aquela partida, juntamente com seus filhos, argentinos nativos, vestidos de azul claro e branco.
“Devo dizer que foi muito incomum”, disse Dultsev. “Parecíamos estar em casa, mas éramos estrangeiros. E a Argentina perdeu, então a Sofia ficou brava e até chorou.”
Os espiões sustentaram que a própria Copa do Mundo lhes proporcionou um álibi para viajarem à Rússia, onde se conectaram com seus superiores do Serviço de Inteligência Estrangeiro Russo (SVR) e até visitaram suas famílias. Ela é nativa de Nizhny Novogorod, onde sua mãe ainda reside. Fazia anos que não se viam, a tal ponto que Sofia e Daniel não conheciam os avós nem falavam russo.
Depois de serem presos, em dezembro de 2022, os espiões relataram que seus filhos foram encaminhados para um orfanato, onde permaneceram até a conclusão da troca de espiões, em agosto deste ano.
Segundo Dultsev, um agente penitenciário chegou a perguntar se ele se arrependia de seus atos, visto que estava preso e seus filhos estavam em um orfanato. Sua resposta foi contundente.
“Eu disse que não me arrependia de nada e que estava disposto a repetir tudo de novo. Ele ficou muito surpreso”, destacou o espião. As informações são do jornal La Nación.