Sexta-feira, 24 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 23 de janeiro de 2025
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula os planos de saúde do País, abriu uma consulta pública que avalia, entre outras medidas, a criação de um selo de Certificação de Boas Práticas em Atenção Oncológica que tem como critério a realização de mamografias de rastreio na rede privada apenas a partir dos 50 anos. A faixa etária, no entanto, foi recebida com críticas das principais sociedades médicas sobre o tema, que indicam o exame a partir dos 40.
“Não somos contra a criação de um selo de qualidade, pelo contrário, a ideia é boa. Contudo, a recomendação de rastreamento a partir dos 50 vai na direção contrária à recomendação da maior parte das entidades médicas do mundo e do Brasil, onde cerca de 40% dos diagnósticos de câncer de mama são abaixo dos 50 anos”, diz Cícero Urban, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM).
Em nota, a agência afirma que a medida, caso aprovada, se trata de um critério para que planos recebam a certificação, ou seja, “não tem relação e não altera a cobertura assistencial garantida pelo Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS”. Por isso, afirma que o direito à mamografia para mulheres de qualquer idade, conforme indicação médica, será mantido.
“Porém, na prática, os planos de saúde podem começar a negar exames alegando que o ”padrão ouro” da ANS é somente a partir dos 50 anos. Não acreditamos que a proposta não tenha consequências de glosas e eventualmente negativas pelas operadoras. O que seria a nosso ver um grande retrocesso e que pode alterar os bons resultados que temos visto no rastreamento da rede privada”, afirma Urban.
Métrica do SUS
A ANS diz ainda que a proposta foi elaborada “conforme métrica utilizada pelo Instituto Nacional do Câncer/Ministério da Saúde, que preconiza que o rastreio do câncer deve ser direcionado às mulheres na faixa etária”. De fato, o programa de rastreamento para câncer de mama no Sistema Único de Saúde (SUS) indica os exames apenas a partir dos 50 anos, seguindo recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) e do Inca.
No entanto, as sociedades médicas criticam também a faixa etária adotada no SUS, defendendo a redução para 40 anos na rede pública. As entidades citam a alta na incidência do câncer de mama entre mulheres mais jovens e lembram que, no ano passado, a Força-tarefa para Serviços Preventivos dos EUA passou a indicar a mamografia de rotina a partir dos 40.
Além da SBM, a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) e a Federação Brasileira de Associações de Ginecologistas e Obstetras (Febrasgo) também publicaram notas criticando a proposta da ANS. Nelas, destacam o dado de 40% dos diagnósticos abaixo dos 50 anos, e citam que 22% das mortes, que poderiam ser evitadas com diagnóstico e tratamento precoce, ocorrem na faixa etária.
Segundo dados do Ministério da Saúde, os casos de câncer de mama entre brasileiras abaixo de 50 anos de fato representaram 33,4% do total em 2023. Além disso, os diagnósticos entre 40 e 49 anos cresceram 63,2% em cinco anos, de 2018 a 2023.
Redução de custos
A Femama argumenta que “o único benefício da alteração da diretriz proposta (pela ANS) com a certificação é a redução de custos com exames para as operadoras”, mas afirma que “os custos com diagnósticos avançados a longo prazo não estão sendo considerados”.
A SBM disse considerar que a medida “dificulta ainda mais o rastreamento do câncer de mama no País”. Já a Febrasgo destacou que não foi consultada pela ANS e disse que a proposta “representa um claro retrocesso ao programa de rastreamento do câncer de mama no Brasil”.
Do outro lado, a ANS defende que, além de não alterar o Rol, o processo de certificação de boas práticas é voluntário para as operadoras de saúde. A agência também reforçou que a faixa etária escolhida segue a orientação do Inca.
Falsos positivos
No ano passado, após uma reavaliação dos estudos disponíveis, o Inca manteve a indicação de rastreamento populacional apenas a partir de 50 anos.
Isso porque, embora os casos estejam claramente em alta em mulheres mais jovens, o crescimento sozinho não é suficiente para alterar a recomendação geral. Segundo o órgão, são necessários estudos clínicos randomizados que avaliem o impacto das mamografias de rotina na nova faixa etária e indiquem resultados positivos e custo-efetivos para a implementação no SUS.
Sem esses dados, o Inca cita riscos como os de resultados falso-positivos que levem a biópsias desnecessárias, um sobrediagnóstico e tratamentos de casos em que não haveria necessidade. Além de poder gerar prejuízos ao sistema público de saúde.