Quarta-feira, 05 de fevereiro de 2025
Por Redação O Sul | 4 de fevereiro de 2025
Em uma feira do setor de calçados, em janeiro, na cidade italiana de Riva Del Guarda, importadores americanos procuraram produtores brasileiros. Alguns fecharam ordens de compra se antecipando à possível taxação de fabricantes chineses pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O temor era de desabastecimento com possível encarecimento de produtos chineses.
Este é só um dos efeitos indiretos – e positivos – que o Brasil pode ter com o novo capítulo da guerra comercial iniciada no segundo mandato de Trump: elevar a venda de produtos aos EUA em substituição aos itens chineses.
“Os americanos já vinham se antecipando e buscando outros mercados para se abastecer, e o Brasil é um deles. Os EUA já são nosso principal destino”, diz Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), lembrando que, no ano passado, o Brasil exportou 10,28 milhões de pares para o mercado americano por US$ 216,3 milhões, quedas em volume (-3,3%) e em receita (-4,8%) em relação a 2023.
Mas, ainda no segmento de calçados, o Brasil pode sofrer outro impacto indireto da taxação chinesa: o receio do setor é que o país e outros mercados da América Latina sejam usados para “desovar” calçados chineses, que ficarão mais caros nos EUA. As principais origens das importações no Brasil foram China, Vietnã e Indonésia, que responderam por mais de 80% dos calçados que entraram em 2024.
Setor automotivo
No acumulado do ano, as importações de calçados da China somaram 9,8 milhões de pares e US$ 40,2 milhões, alta de 4% em volume e queda de 16% em receita em relação a 2023. O preço médio ficou em US$ 4,06, queda de 19% ante 2023, um indicativo de preços artificialmente abaixo dos praticados no mercado (dumping), segundo a Abicalçados.
O professor de economia chinesa do Insper, Roberto Dumas, prevê um recuo no crescimento como impacto indireto para o Brasil do “tarifaço” de Trump, pois mesmo sem tarifas sobre produtos brasileiros, por ora, o BC pode ter que subir mais os juros com o dólar se valorizando e pressionando a inflação.
Dumas lembra que no primeiro mandato de Trump a China retaliou os EUA com mais força. Enquanto os EUA tributaram 56% dos produtos chineses, os asiáticos impuseram tarifas a 64% da pauta comercial, incluindo commodities agrícolas:
“Isso elevou a venda de itens do agro brasileiro para a China. Agora, Trump impôs tarifa de 10% e pode negociar com os chineses, exigindo que comprem mais soja dos EUA para não aumentar ainda mais as tarifas. O setor privado, mas especialmente o governo, devem acompanhar qual cenário vai se desenhar.”
Dumas avalia que se Trump impuser tarifas sobre os produtos da União Europeia, o acordo com o Mercosul pode acelerar, mesmo com França, Irlanda e Holanda sendo contrários à aliança.
“Mesmo com resistência de alguns países, o cenário para o acordo é diferente do anterior e tende a melhorar, não piorar”, diz Dumas.
No caso da indústria automobilística, as tarifas sobre México e Canadá não trazem consequências ao Brasil. Mas a tarifação que os EUA já vinham impondo aos carros elétricos chineses, desde setembro (de 100% sobre veículos e 25% sobre baterias), já preocupava, e ganha mais tensão com o novo capítulo da guerra comercial.
“A China não tem como desovar sua produção no mercado interno, que tem limitações, e onde o preço é subsidiado. A tendência para que as empresas tenham alguma margem de ganho é o mercado internacional. Então, devem aumentar a exportação, especialmente para mercados onde já tenham bases de produção, como o Brasil”, diz Antonio Jorge Martins, coordenador de cursos automotivos da FGV, citando que carros elétricos chineses encontram barreiras na União Europeia.
Ele diz que a tendência dos chineses é exportar para o Brasil conjuntos de peças onde haja alguma tecnologia embutida, portanto de maior valor, já que aqui companhias chinesas ainda não têm fornecedores.
“Eles não vão exportar porcas e parafusos. Mas sim conjuntos de peças, com tecnologia embutida, e de maior valor agregado”, diz.
Marcelo Vitali, diretor no Brasil da consultoria de internacionalização espanhola How2Go, observa que os movimentos iniciais de vaivém de Trump indicam que o republicano está numa fase inicial de negociações, mas isso traz incertezas sobre qual governança do comércio internacional haverá no futuro.
“Lembrando que a OMC (Organização Mundial do Comércio) está paralisada pois os EUA não indicam nomes para o órgão de solução de controvérsias. Sem a OMC, o comércio internacional fica ‘sem regras’ e cada país pode fazer o que quiser”, diz.
Ele avalia que a ameaça de tarifar a UE pode fazer com que o acordo com o Mercosul avance mais rapidamente, embora haja um processo longo pela frente. Hoje, diz, a UE é o maior contraponto ao isolacionismo americano, com a aposta de unilateralismo de Trump, enquanto os europeus preservam a crença no multilateralismo, com nações convergindo interesses para fazer avançar o comércio. A própria UE vem fechando ou reforçando acordos com outros países, como México, Malásia.
Ele lembra que México e Brasil já têm acordo de complementaridade econômica justamente no setor automotivo – e que foi intensificado nos últimos anos. As informações são do jornal O Globo.