Quinta-feira, 06 de fevereiro de 2025
Por Redação O Sul | 5 de fevereiro de 2025
Problemas para dormir podem prejudicar a capacidade do cérebro de controlar memórias indesejadas, contribuindo para o desenvolvimento ou a persistência de transtornos psiquiátricos como ansiedade, depressão e estresse pós-traumático (TEPT). É o que sugere uma pesquisa da Universidade de York, no Reino Unido, publicada recentemente na PNAS, revista científica da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos.
“Memórias desagradáveis podem invadir a consciência e, para a maioria das pessoas, são apenas uma perturbação momentânea. No entanto, para outras pessoas, essas memórias podem se tornar recorrentes e perturbadoras, afetando a saúde mental. A privação do sono, ao prejudicar a capacidade de controlar essas memórias, pode ser um fator significativo nesse processo”, diz trecho do estudo.
Para investigar essa relação, os pesquisadores selecionaram 85 adultos saudáveis, com idades entre 18 e 30 anos. A primeira parte do processo foi pedir a eles que visualizassem imagens com cenas negativas, como um acidente de carro. Depois disso, metade deles passou uma noite inteira sem dormir, enquanto o restante dormiu normalmente. No dia seguinte, todos eles foram instruídos a lembrar e tentar afastar a cena da mente, enquanto sua atividade cerebral era monitorada por ressonância magnética.
Os resultados mostraram que aqueles que passaram a noite sem dormir tiveram uma redução da atividade no córtex pré-frontal dorsolateral direito, região ligada à regulação emocional e inibição de pensamentos indesejados. Por outro lado, os participantes descansados apresentaram maior ativação nessa área, além de menor atividade no hipocampo, estrutura cerebral associada à recordação de memórias.
Segundo os pesquisadores, isso indica que o sono adequado favorece a “supressão de memória”, um mecanismo que nos ajuda a bloquear lembranças indesejadas. Quando essa função falha — como ocorre após uma noite em claro —, memórias intrusivas podem se tornar mais persistentes e difíceis de ignorar.
Na prática, isso significa que uma experiência negativa do passado pode ser revivida de forma mais intensa e incontrolável, aumentando o sofrimento emocional. Um exemplo é o próprio acidente de carro: ao ver um veículo em alta velocidade, um sobrevivente pode recordar o episódio involuntariamente. Para quem dormiu bem, afastar a lembrança da mente tende a ser mais fácil. Já para alguém privado de sono a memória pode se tornar invasiva e até angustiante, contribuindo para o desenvolvimento ou piora de transtornos mentais.
Os pesquisadores também observaram que o sono REM (sigla para Movimento Rápido dos Olhos) — fase considerada a mais profunda e geralmente associada aos sonhos — tem um papel importante na capacidade do cérebro de lidar com lembranças desagradáveis. Eles descobriram que, entre os participantes que dormiram bem, aqueles que passaram mais tempo nessa fase tiveram mais facilidade para suprimir memórias indesejadas.
Isso acontece porque o sono REM ajuda a “recarregar” áreas do cérebro responsáveis pelo controle emocional, como o córtex pré-frontal, uma região ligada à regulação de pensamentos e sentimentos. Quando essa parte do cérebro está bem descansada, conseguimos afastar lembranças ruins com mais eficiência. Por outro lado, a privação de sono pode prejudicar esse mecanismo, tornando memórias negativas mais persistentes e difíceis de ignorar.
“Alterações no sono REM são comuns em transtornos psiquiátricos marcados por pensamentos intrusivos, como depressão, ansiedade e TEPT. Essa fase do sono não apenas auxilia na supressão de memórias desagradáveis, mas também é essencial para a regulação do afeto, ajudando o cérebro a atenuar ou reduzir o impacto das experiências emocionais. Melhorar a qualidade do sono pode, portanto, ser uma estratégia importante para fortalecer a saúde mental”, explicam os pesquisadores.
É fato que o número de pesquisas demonstrando a importância de uma boa noite de sono para a saúde mental e a função da memória — especialmente diante do risco de declínio cognitivo em uma população mais envelhecida — cresce a cada dia. No entanto, a relação entre sono, supressão de memória e transtornos mentais ainda é considerada uma novidade por especialistas ouvidos pelo Estadão. (Estadão Conteúdo)