Terça-feira, 04 de março de 2025
Por Redação O Sul | 4 de março de 2025
Neguinho, que tem 75 anos, conquistou 14 títulos com a Beija-Flor.
Foto: David Normando/Rio CarnavalÍcone do Carnaval do Rio de Janeiro, Neguinho da Beija-Flor fez seu último desfile como intérprete da escola de samba, na noite desta segunda-feira (3). Ovacionado pelo público, ele agradeceu a oportunidade de cantar pela escola durante 50 anos e disse que evitaria um discurso longo para não se emocionar ainda mais.
“Sentimento de dever cumprido. Não dá mais. Infelizmente. Temos que deixar a vez para outro. Emoção de receber o carinho por 50 anos desse povo. Eu creio que, dificilmente, terei outra oportunidade (de receber esse carinho)”, disse.
O público acompanhou a despedida com aplausos e lágrimas, marcando um momento histórico para o Carnaval carioca. Neguinho, que tem 75 anos, conquistou 14 títulos com a Beija-Flor.
“Dificilmente vou ter outra oportunidade. Não tenho mais cinquenta anos para dar, senão eu ficaria”, disse Neguinho.
Sob gritos de “Fica, Neguinho”, o intérprete afirmou que vai se afastar apenas dos microfones, não dá escola.
“Estarei empurrando os carros (alegóricos). Mas estarei de volta no Desfile das Campeãs também”, completou o músico, mostrando otimismo com o resultado da Beija-Flor na apuração.
A Beija-Flor de Nilópolis prestou homenagem a Luiz Fernando Ribeiro do Carmo, mais conhecido como Laíla, um de seus maiores baluartes. Com enredo assinado por João Vitor Araújo e pesquisa de Bianca Behrends, Vivian Pereira e Guilherme Niegro, o desfile trouxe “Laíla de Todos os Santos, Laíla Todos os Sambas”.
A narrativa partiu da religiosidade e da fé em Xangô, percorreu sua trajetória no Carnaval dentro e fora da Beija-Flor e terminou em um reencontro simbólico com Joãosinho Trinta no plano espiritual. Como forma de representar a espiritualidade de Laíla, a escola utilizou 70 mil búzios nas fantasias e alegorias.
Outro destaque do desfile foi a Rainha de Bateria Lorena Larissa, de apenas 18 anos, que cruzou a avenida grávida, desfilando com seu bebê no ventre.
50 anos de história
Referência incontestável para a comunidade e os demais membros da escola do coração, Neguinho inspira as pessoas que convivem com ele no dia a dia. O cantor é altamente reverenciado, para além da capacidade técnica, mas muito por conta do tratamento que despende aos colegas.
“São 22 anos de Beija-Flor e convivi muito com ele. O Neguinho chegava cedo na quadra e ficava jogando cartas com a gente. Ele gosta de ficar com a comunidade, com a bateria… ele tem muita simplicidade. Pensar a escola sem ele, a partir de agora, vai ser muito difícil, mesmo que venha outra pessoa. Ele é uma inspiração para a vida”, contou Xandão Cuíca, percussionista da Azul e Branco.
Figura marcante da agremiação, a porta-bandeira Selminha Sorriso tem Neguinho como ídolo, como ela mesma definiu. Ver o artista recebendo tanto reconhecimento, mesmo considerando ser difícil trilhar os caminhos sem a presença do mestre, desperta uma sensação de gratidão.
“Ver um cara preto, em uma posição tão incrível, e cantando daquele jeito, despertou a minha paixão pelo carnaval”, explica Ane Lopes, intérprete da escola. “O que eu levo para a minha vida, que o Neguinho me ensinou, é a elegância. Eu quero ser tão humilde quanto ele é, e com a elegância, claro”.
Se futebol e carnaval são as maiores referências de identidade cultural do Brasil, Neguinho da Beija-Flor, com o seu lauto talento, não poderia ser protagonista da festa da avenida e ficar de fora do show das arquibancadas. E no esporte mais popular do País, com milhões de torcedores de Norte a Sul e rivalidades acirradas, o samba “O Campeão” (Meu time), já foi entoado como trilha sonora da emoção em diversos – para não dizer todos – os estádios do Brasil.
“Domingo eu vou ao Maracanã, vou torcer pro time que sou fã…”. Lançado em 1979, o samba é a maior composição de Neguinho fora do carnaval, embora a música embale, por diversas vezes, a concentração da Beija-Flor antes dos desfiles. “Dei um compacto para um amigo que trabalhava no som do Maracanã e mandei distribuir milhares de panfletos com a letra. Nesse dia, a música tocou e todo mundo cantou”, lembrou o artista em uma declaração à imprensa, em 2008.
Pela escola do coração, destaca-se o samba “Sonhar com rei dá leão”, inspirado no jogo do bicho. A composição solo de Neguinho, em 1976, deu o primeiro título da história para a Beija-Flor de Nilópolis. O fato marcou a agremiação como a primeira escola de outro munícipio a sagrar-se campeã do carnaval da cidade do Rio de Janeiro e, de quebra, acabou com a hegemonia da Portela, Mangueira, Império Serrano e Salgueiro, que se revezavam na primeira posição desde 1961.
“A criação do mundo na tradição nagô”, feito por Neguinho em parceria com Gilson Dr. e Mazinho, no carnaval de 1978, trouxe para a Beija-Flor o terceiro título consecutivo. O enredo falava sobre a formação do planeta terra na visão iorubá. O carnaval da Azul e Branco, tal qual em 1976, foi desenvolvido por Joãosinho 30.
A vida de Neguinho da Beija-Flor é profissional e pessoalmente atravessada pela agremiação de Nilópolis, a ponto de em 2008 o intérprete resolver fundir oficialmente o seu nome artístico ao nome de batismo. Desde então, de maneira formal, a certidão de nascimento do sambista está registrada em nome de Luiz Antônio Feliciano Neguinho da Beija-Flor Marcondes.
Apesar da alegria que sempre o caracterizou, o ano de 2008 não foi fácil. Diagnosticado com um câncer no intestino, o artista foi submetido à cirurgia para retirada do tumor e também passou por duras sessões de quimioterapia e radioterapia. Na ocasião, Neguinho agradeceu aos fãs e declarou que a solidariedade do pública lhe dava ‘muita força para acreditar na recuperação’.
“A vida é boa, eu nasci de novo. Eu tive essa oportunidade”, celebrou Neguinho em alusão à cura do câncer. E para festejar mais uma vitória de vida, a avenida e o carnaval, claro, deveriam se fazer presentes. Foi então que em 22 de fevereiro de 2009, antes da entrada da Beija-Flor, na Sapucaí, veio o casamento com a companheira Elaine Reis.
O casal havia acabado de conceber o nascimento de Luiza Flor, meses antes, enquanto Neguinho se recuperava da enfermidade que o acometeu. Com a autorização da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) e muitos convidados especiais, como o então presidente Lula e o cantor Roberto Carlos, a união foi celebrada em dez minutos, diante do primeiro recuo da bateria. O local em que Neguinho passou tantas emoções, ganhava mais um capítulo marcante.
Para coroar o matrimônio, mesmo acompanhado do médico, o cantor subiu no carro da escola e festejou. “Olha a Beija-flor aí gente!”. Com informações dos portais de notícias CNN Brasil e Terra.