Terça-feira, 11 de março de 2025
Por Redação O Sul | 10 de março de 2025
O STF deve julgar no segundo semestre as ações que podem rever o alcance da anistia de 1979
Foto: Alile Dara Onawale/DivulgaçãoApós o Oscar de “Ainda Estou Aqui”, a obra que levou o cinema nacional à premiação histórica pode provocar uma reviravolta judicial sem precedente no ano do 40º aniversário da redemocratização do País. O Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar no segundo semestre as ações que podem rever o alcance da anistia de 1979, concedida aos agentes públicos envolvidos no sequestro e desaparecimento de opositores durante a ditadura militar.
Os casos terão repercussão geral – ou seja, o decidido passará a ser replicado em todos os processos semelhantes em tramitação na Justiça –, e entre eles está o do engenheiro e parlamentar cassado Rubens Paiva.
Além disso, na esteira do filme e de sua premiação, casos judiciais foram retirados das gavetas de ministros dos tribunais superiores e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu reformar as certidões de óbito de 404 desaparecidos políticos.
Antes da decisão do CNJ, 20 certidões haviam sido retificadas a mando da Justiça nacional e da Corte Interamericana da Organização dos Estados Americanos (OEA). Os 404 novos documentos agora registrarão a causa como “morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população brasileira como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964”.
Nessa nova fase, o primeiro desses documentos devia ter sido entregue à família Paiva, em janeiro. Mas ela não foi recebê-lo, seguindo orientação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP). De acordo com Nilmário Miranda, chefe da Assessoria Especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade do Ministério dos Direitos Humanos, 82 atestados – incluindo o de Paiva – tiveram de ser refeitos por causa da ausência de informações, como local e data das mortes e o número de filhos da vítima.
“Esperamos por décadas uma certidão que falasse a verdade, e a grande maioria dos familiares quer tudo certo, mais do que um papel corrigido às pressas”, disse Vera Paiva, filha do ex-deputado. Para ela, houve uma “certa pressa”, cuja intenção até poderia ser boa, de se repetir a “famosa foto” de 1996, em que sua mãe, Eunice Paiva, recebe a primeira certidão de óbito de seu pai – cena retratada no filme. As certidões retificadas devem estar prontas em abril para entrega pelo ministério às famílias em solenidades ainda neste semestre. O plano é completar os demais documentos até o fim do ano.
Desde o ano passado, a comoção nacional causada pelo filme reacendeu a discussão sobre a responsabilização de agentes estatais pelos mortos e desaparecidos na ditadura e impulsionou processos que estavam parados há anos na Justiça. Quatro casos emblemáticos, que estavam sob a alçada do STF desde 2015, ganharam tração somente agora.
O caso mais conhecido é justamente o do ex-deputado federal Rubens Paiva, cujo sequestro e desaparecimento são o fio condutor da trama de Ainda Estou Aqui.
A ação contra os militares reformados do Exército acusados de envolvimento na morte de Paiva tramita no STF – só dois dos cinco réus originais continuam vivos –, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, desde março de 2021. Mas, como mostrou o Estadão, ela só teve andamento em novembro do ano passado, dois meses após a aclamada estreia do filme de Walter Salles, no Festival de Veneza.
Ainda na esteira do impacto do filme, o caso Paiva foi reconhecido pelo STF como sendo de repercussão geral. Em outras palavras, os efeitos dos votos do ministro serão aplicados a todos os casos iguais e não ficarão restritos aos acusados desse processo: o general José Antônio Nogueira Belham e o major Jacy Ochsendorf e Souza.
Além deles, foram denunciados o tenente-coronel Rubens Paim Sampaio, o primeiro-tenente Jurandyr Ochsendorf e Souza e o coronel Raymundo Ronaldo Campos. Dentre os acusados que estão vivos, o major Jacy Ochsendorf recebe R$ 23,4 mil de salário bruto, sem descontos. Já Belham recebe R$ 35,9 mil brutos.
Há ainda as pensões pagas aos familiares dos réus Rubens Paim Sampaio, Raymundo Ronaldo Campos e Jurandyr Ochsendorf e Souza, que morreram após o início do processo. Considerando-se os dependentes deixados pelos três militares, há oito familiares aos quais o governo federal destina pensões. O custo total é de R$ 80 mil mensais. Somados, os valores relativos a salários e pensões dos réus pelo assassinato de Rubens Paiva chegam a R$ 140,2 mil.
(Estadão Conteúdo)