Domingo, 12 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 3 de março de 2016
Médico oncologista mais popular do Brasil, conhecido por quadros na televisão, vídeos em redes sociais e best-sellers como “Estação Carandiru”, Drauzio Varella é categórico quando o assunto é a interrupção de gestações. “O aborto já é livre no Brasil. É só ter dinheiro para fazer em condições até razoáveis. Todo o resto é falsidade. Todo o resto é hipocrisia.” O médico critica o enfoque religioso sobre o tema – que voltou ao noticiário junto à epidemia de zika vírus e aos recordes em notificações de microcefalia – e afirma que o cerne da discussão está na desigualdade brasileira.
“Ninguém pode se considerar dono da palavra de Deus, intermediário entre deuses e seres humanos, para dizer o que todos devem fazer”, frisa. “Muitos religiosos pregam que o aborto não é certo. Se não está de acordo, não faça, mas não imponha sua vontade aos outros.” Uma ação que pede a descriminalização do aborto em casos comprovados de microcefalia deve chegar ao STF (Supremo Tribunal Federal) em breve. E, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), uma brasileira morre a cada dois dias por conta de procedimentos mal feitos e 1 milhão de abortos clandestinos seriam feitos no País todos os anos.
“A mulher rica faz normalmente e nunca acontece nada. Já viu alguma ser presa por isso? Agora, a mulher pobre, a mulher da favela, essa engrossa estatísticas. Essa morre. Proibir o aborto é punir quem não tem dinheiro”, prossegue Varella, que não acredita que uma eventual descriminalização possa estimular que mulheres busquem o procedimento.
“Não sou defensor do aborto e ninguém é. Qual é a mulher que quer fazer o aborto? É uma experiência absurdamente traumatizante, uma tragédia. A questão não é essa.” Também conforme a OMS, cerca de 25 países já registram casos de zika. Apenas Brasil e Polinésia Francesa, entretanto, têm dados comprovando o aumento de casos de microcefalia em recém-nascidos.
Microcefalia.
O médico afirma não ter opinião formada sobre o aborto neste caso específico. “Na microcefalia, o diagnóstico definitivo é feito em geral próximo ao terceiro trimestre. Você pega um feto aos 7 meses e ele está quase nascendo”, diz. “Mas é lógico que eu respeito [qualquer decisão].” “O importante é dar liberdade aos que pensam diferente”, afirma o médico. “Essa é a questão fundamental do aborto.” Varella, então, levanta a pergunta: “Se a doação de órgãos em caso de inatividade cerebral tem aceitação popular, por que a retirada de um feto igualmente sem atividade cerebral é criticada?”
Ele dá o exemplo de uma menina que sofre um acidente de moto e tem morte cerebral. “Ela pode, por lei, ter fígado, coração e rins retirados para doação, porque seu sistema nervoso central não está mais funcionando. O sistema nervoso central é o que determina a vida. Mas até o terceiro trimestre de gravidez, não há nenhuma possibilidade de arranjo do sistema nervoso que se possa qualificar como atividade cerebral em qualquer nível, a não ser neurônios tentando se conectar.
Varella continua: “Muitos consideram que a vida humana começa no instante da fecundação. Mas, por esse raciocínio, a então vida começa antes, porque o espermatozoide é vivo e o óvulo também.” Ele faz críticas duras a quem argumenta contra o aborto a partir de princípios religiosos. “O poder das igrejas católicas e evangélicas é absurdo”, diz. “Mas não está certo a maioria impor sua vontade. Respeitar opiniões das minorias é parte da democracia”, completa. (Ricardo Senra/AG)