Domingo, 27 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 3 de julho de 2017
O Dr. Luke Smith dirigia vagarosamente pelas ruas escuras de um bairro repleto de imigrantes, procurando um endereço entre casas pequenas guarnecidas com barras de ferro. Trazia consigo sacolas da farmácia. A missão é entregar remédios a pacientes assustados demais para retirá-los.
Naquela noite, Smith, psiquiatra, procurava pela família de um menino de 12 anos de idade com transtorno de déficit de atenção. Como a maioria das pessoas que entrou nos Estados Unidos ilegalmente, os pais do garoto, de Puebla, México, não têm carteira de motorista. Agora, quando dirigem, a possibilidade de serem parados pela polícia pode ter uma consequência muito mais cara do que a multa.
Abalados pelas amplas ordens de deportação do governo Trump, ele e muitos outros em situação similar se escondem nas sombras, driblando revistas policiais, remédios e assistência médica essencial.
Várias vezes por semana, Smith pega os remédios nas farmácias e encontra os pacientes em suas casas para entregar as medicações pedidas.
“Não posso deixar que meus pacientes corram riscos ao retirar o remédio que lhes prescrevi”, conta.
Pelo país inteiro, de Venice, na Califórnia, a Nova York, clínicas que atendem a população imigrante relatam queda nas consultas desde que começou a repressão do governo.
Em recente pesquisa nacional com funcionários da saúde realizada pela Migrant Clinicians Network, com sede em Austin, Texas, dois terços dos entrevistados disseram ter visto relutância entre pacientes em busca de atendimento médico.
Pais têm retirado os filhos de programas federais de nutrição para evitar investigação. Em Baltimore, funcionários da saúde que, há anos, visitavam bairros latinos para fazer exames de doenças sexualmente transmissíveis, agora esperam em furgões do lado de fora de lojas de conveniência.
“É como estar em uma cidade fantasma”, diz a Dra. Kathleen R. Page, codiretora do Centro SOL, unidade de saúde para latinos no Johns Hopkins.
Especialistas dizem que o preço por evitar o sistema de saúde é muito alto. Latinos pobres, em especial, sofrem com índices mais elevados de obesidade, diabetes, doenças hepáticas e pressão alta.
“Pacientes que já estão doentes terão mais dificuldade para melhorar”, diz Page. Segundo ela, quem não recebe atendimento para doenças infecciosas “apresenta uma probabilidade muito maior de transmitir infecções a outras pessoas”.
Enquanto os custos médicos são um peso para milhões de norte-americanos, muitas pessoas questionam por que cidadãos que mal e mal conseguem bancar seu próprio tratamento médico deveriam bancar, por meio dos impostos, o atendimento de quem mora ilegalmente nos EUA.
Um funcionário do setor de saúde entrevistado pela pesquisa da Migrant Clinicians Network escreveu: “Tenho enfrentado bastante animosidade por ajudar os trabalhadores. Os moradores acham que os imigrantes recebem muitos benefícios”.
Aqui no centro do Estado da Carolina do Norte, onde os imigrantes trabalham em plantações de tabaco, frigoríficos de aves, lavam pratos e limpam banheiros em restaurantes e hotéis, alguns funcionários da saúde precisam tomar medidas extremas pelos pacientes.
Smith entrou em uma varanda escura, bateu à porta e perguntou: “Jorgito está?”
Na sala lotada, Jorgito, que, a exemplo de outros imigrantes não autorizados entrevistados por esta reportagem, pediu que o sobrenome não fosse citado para impedir que as autoridades o identificassem, apresentou o médico a amigos, a parentes e ao padre.
Somente depois que a família lhe ofereceu tortilhas caseiras, ao estilo da América Central, Smith entregou discretamente a Jorgito a medicação para o filho, acanhado aluno da sexta série que se esparramava no sofá.
Confiança desfeita
Exceto por necessidade absoluta, Rodolfo, operário itinerante de construção civil que entrou ilegalmente nos Estados Unidos por Puebla há seis anos, não sai de casa ultimamente.
Contudo, já faz um mês que a filha de oito anos, Leslie, se dobra de dores após as refeições. Assim, com relutância, de ônibus e a pé, Rodolfo a levou a um centro de saúde comunitário em Carrboro, cidade rica e liberal a oeste de Chapel Hill.
No consultório, a criança se encolheu toda, rígida e desconfortável. Lisanna Gonzalez, enfermeira de família, não achou causas físicas para seu desconforto.
Por fim, Leslie reconheceu morrer de medo de chegar da escola um dia e descobrir que os pais tinham ido embora. Segundo a menina, as crianças vivem falando disso, provocando-a. Seu irmão, de 13 anos, ficava lhe mostrando atualizações sobre batidas policias na mídia social.
O medo deixa as pessoas doentes, diz o dr. Evan Ashkin, professor de medicina da família da Universidade da Carolina do Norte que dirige um programa de residência para médicos que trabalham com pacientes pobres. (Folhapress)