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Por Redação O Sul | 25 de agosto de 2017
Aos 13 anos de idade pouco as meninas entendem sobre o próprio corpo, e muitas delas demoram a descobrir que esperam um filho e até mesmo saber como ocorre uma gestação, em orientação em casa ou na escola. Tampouco sabem que a lei brasileira configura situações como essa como estupro de vulnerável.
No posto de saúde de Autazes (AM), município a quatro horas de distância de lancha e carro de Manaus, quase metade dos domicílios tem renda total de no máximo um salário mínimo, dificultando ainda mais para quem precisa sustentar uma criança e continuar estudando.
Quase 305 mil brasileiras de 10 a 14 anos tiveram filhos entre 2005 e 2015, segundo o Datasus (banco de dados do Ministério da Saúde), que reúne os registros de maternidades e cartórios.
Os números mostram que a gravidez entre meninas dessa idade ocorre em todo o país, principalmente nas áreas mais pobres, alcançando os piores índices na região Norte. O mais grave é que a taxa de natalidade entre mães nessa faixa etária não tem caído, ao contrário da tendência geral do país, que observa redução da fertilidade.
Não há um banco de dados que permita ampla comparação internacional para gravidez entre meninas dessa idade. No caso dos Estados Unidos, por exemplo, a gestação nesse grupo etário é bem mais baixa e está em contínua queda: segundo o relatório mais recente do Departamento de Saúde americano, a taxa de nascimentos por mil garotas de 10 a 14 anos caiu de 0,6 em 2007 para 0,2 em 2015. Em 1991, era de 1,4.
Retrocesso na educação sexual
Ouvidos pela reportagem, especialistas das áreas de saúde, educação e direito que acompanham o tema apontam para diversos fatores que podem explicar a persistência desse quadro, com destaque para a falta de orientação sexual em casa e nas escolas.
Segundo a Unesco, o ensino sobre os temas sexualidade e prevenção à gravidez sofreu enorme retrocesso no Brasil desde 2011, quando a polêmica envolvendo o material educativo “Escola sem Homofobia” (que ficou tachado de “kit gay”) acabou levando ao recolhimento de todo o suporte didático para educação sexual, que era distribuído desde 2003 para crianças a partir dos 12 anos, no âmbito do Programa Saúde na Escola.
“Hoje, nessa faixa etária de 10 a 14, nada tem sido feito no campo das políticas públicas de educação e sexualidade. Não existe uma diretriz nacional. Isso acaba virando um tabu e temos as crianças engravidando”, critica Rebeca Otero, coordenadora de Educação da Unesco no Brasil.
Para o órgão da ONU, a educação sobre sexualidade e gênero deve começar desde os cinco anos, para meninas e meninos. Isso nunca foi implementado no Brasil, diz Otero.
“Muitas vezes, nas casas mais pobres, a família inteira é obrigada a viver num mesmo ambiente. Então, pais fazem sexo e elas não só assistem, como passa a ser algo muito natural ainda cedo”, observa Maria Helena Vilela, diretora do Instituto Kaplan, especializado em sexualidade.
“E hoje há também muito mais mães e pais separados, em busca de novos parceiros. Essas meninas convivem em ambiente muito mais sensualizado do que antigamente. Mas, ao mesmo tempo em que vivem num mundo social com muita liberdade, há um despreparo da escola, da família, para encarar que elas já podem ser sexualmente ativas. Elas ficam vulneráveis pela ignorância”, afirma.
E se a escola e a sociedade não educam para evitar a gravidez, em geral também não estão preparadas para acolher as meninas gestantes, ressalta Otero.
Em alguns casos, o pai da criança já está longe, ou morto. A menina-mãe fica com a dificuldade de criar e sustentar, muitas vezes abandonando a escola ou ficando isolada da comunidade, devido a questões religiosas, e assim o aborto nem é cogitado. Acabam tendo de deixar os grupos de sua idade para integrar reuniões de senhoras, com as quais não se identificam.
As dificuldades físicas também aparecem. Seios maiores, estrias, parto difícil, natural ou por cesariana, muitas vezes traumático. Em alguns casos, há mais de uma gravidez em pouco tempo, mas a lei não permite que meninas tão novas tomem medidas irreversíveis de contracepção.
Abusos por trás da gravidez
Especialistas acreditam também que a violência sexual e a tolerância com relações supostamente consentidas entre adultos e menores de idade estão por trás da maioria dos casos de gravidez na pré-adolescência.
A polícia do Distrito Federal registrou 832 estupros de vulneráveis (menores de 14 anos) em 2016, mas grande parte dos casos não chega a ser denunciada. Na Delegacia Especializada em Proteção a Criança e ao Adolescente de Manaus chegam para ser investigados por dia, em média, de seis a sete suspeitas de estupros de vulneráveis.
No Amazonas, a quantidade de nascidos vivos de mães de 10 a 14 anos cresceu 40% desde 2005 (maior alta entre os Estados), chegando a 1.432 em 2015.