Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 7 de outubro de 2017
O filme “Polícia Federal — A Lei é Para Todos” bateu 1 milhão de espectadores e recebeu críticas quanto à forma como o trabalho da equipe da Operação Lava-Jato foi retratada.
Em pelo menos um aspecto, porém, condiz com a realidade: a delegada Bia, representada pela atriz Flávia Alessandra, é a única personagem mulher da trama.
Na vida real da PF (Polícia Federal), elas também são minoria.
A corporação não divulga quantas mulheres estão entre os cerca de 11 mil servidores. Sindicatos estimam que seria algo entre 15% e 25%.
O jornal Folha de S.Paulo ouviu seis policiais federais, entre agentes e delegadas. Parte pediu anonimato.
Elas afirmaram que o machismo é presente na PF, mesmo que em menor medida em relação aos anos 1990.
No fim do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e início do governo Lula (PT), aumentou procura de mulheres à medida que as ações da PF ganhavam notoriedade na imprensa.
O fato de a PF ser uma polícia de perfil de inteligência em detrimento do “pé na porta” ajudou a atrair interessadas.
“A mulher precisa se impor com profissionalismo e postura para não ser rotulada”, disse a agente Janaína Magalhães, 43 anos, atualmente na Interpol.
Com três filhos, ela precisa manter uma “força-tarefa” em casa, já que muitas vezes é designada para trabalhos que duram até um mês.
“Eu digo que sou policial, professora, mãe, secretária, ‘Uber’, tudo. Eu que cuido do horário da escola, do inglês, do taekwondo, da limpeza da casa, da manutenção e das contas. Tenho uma força-tarefa com meu marido, minha sogra e minha mãe, mas as decisões sempre sou eu quem toma”, explicou.
Uma agente da Lava-Jato no Rio mantém uma mala sempre pronta em casa e o marido de sobreaviso para o caso de uma operação deflagrada em cima da hora.
Grávidas
Há uma luta das mulheres da PF para que grávidas não deem plantão e lactantes não precisem ficar de sobreaviso.
Há três anos, uma agente conseguiu liminar na Justiça para poder prestar o curso da academia de polícia durante a gestação.
A policial obteve o direito de se ausentar das aulas de tiro, defesa pessoal e educação física, não recomendadas em razão da gravidez avançada. Ela pôde completar o curso no ano seguinte.
A PF tem se adaptado à realidade de mais mulheres em suas fileiras. Até pouco tempo atrás, a roupa de trabalho, composta de calça cargo e camiseta preta, só tinha modelagem masculina.
As mulheres têm que lidar com a disputa com homens já no início da carreira. “Testes” são comuns.
No seu primeiro ano de serviço, quando tinha apenas 21 anos, Janaína Magalhães foi designada para um trabalho no aeroporto internacional de Guarulhos (SP).
Os homens a fizeram algemar um traficante de drogas colombiano como uma espécie de prova de fogo de sua competência.
A agente Lilian Vogell Castilho, 43, recorda que, em 2006, quando atuava em Rondônia, ela e seu parceiro encontraram um foragido em um bar.
“Ele olhou para mim e disse: você acha que uma ‘mulherzinha vai me prender’? Era um cara grande e tivemos que usar a força para contê-lo”, declarou.
Uma agente que atuou na área de crimes ambientais na região Norte do País relatou que os aviões Hércules, da FAB (Força Aérea Brasileira), que transportam os agentes, não têm banheiro para mulheres.
“Quando íamos de helicóptero, eu era a única mulher e sempre ouvia gracinhas do tipo: ‘você quer com ou sem emoção’, como se o fato de ser mulher fosse justificativa para eu ter medo de voar”.
Perfil
“O perfil das investigações requer mais concentração, uma quantidade grande de análise de documentos, enfim, não é uma polícia bruta”, diz a delegada Tânia Prado, 39, que entrou na PF aos 24 anos.
No monitoramento a suspeitos, costumam levar a melhor sobre os homens.
Um alvo num restaurante, por exemplo, desconfiará se dois homens sentarem na mesa ao lado. Duas mulheres ou um casal levantam menos suspeitas.
Uma agente disse que certa vez o alvo chegou a lançar um flerte enquanto ela fazia fotografias dele com um relógio especial para isso.