Segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025
Por Redação O Sul | 9 de abril de 2018
A notícia de que a maioria dos brasileiros que recorrem a bancos de sêmen nos Estados Unidos busca doadores brancos e de olhos azuis, publicada por um jornal norte-americano no mês passado, chamou a atenção de especialistas e gerou muita discussão sobre racismo e eugenia. Em um país tão miscigenado como o nosso, afinal, por que se busca esse tipo de padrão lá fora? As informações são do jornal O Globo.
Entre 2011 e 2016, a importação de sêmen dos EUA para inseminações artificiais no Brasil cresceu 2.625%. Dados preliminares de 2017 já indicam que o crescimento segue. Mas o que mais chama a atenção nesses dados da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) é o perfil dos doadores escolhidos: 95% deles são brancos, 52% têm olhos azuis, 64% têm cabelos castanhos e 27% são louros.
Os números acenderam uma preocupação na médica paulista Hitomi Nakagawa. Inseminações de brasileiras com sêmen de americanos tendo essas características poderiam alterar a cara da nossa população? Presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), ela convocou uma reunião em Brasília com representantes da Anvisa para discutir o assunto.
“A conclusão foi que a entrada de amostras, mesmo que esteja crescendo muito, ainda é irrelevante para a massa da população brasileira”, diz Hitomi.
A preferência estética, porém, sugere algo mais: “Nossa cultura vê mais beleza em olhos claros. Pode haver aí um aspecto sociológico inconsciente.”
Ao longo de seis anos, houve 1.090 importações de sêmen dos EUA para o Brasil. Enquanto isso, anualmente, 30 mil inseminações foram feitas com o “produto nacional”, e 3 milhões de brasileiras engravidam pelo método natural. Mas a polêmica em torno das amostras, detonada por uma reportagem publicada em março no jornal norte-americano The Washington Post, não tem a ver com a quantidade. O que está em jogo aqui é, novamente, o perfil dessas importações.
O tribunal das redes sociais foi rápido na sentença, acusando médicos e possíveis mães e pais de eugenia e racismo. Especialistas em reprodução argumentam, porém, que o fenótipo procurado no exterior é apenas um reflexo do tipo de brasileiro que paga pelo serviço.
Nossas classes A e B, majoritariamente brancas por motivos que remontam a 500 anos, estariam simplesmente buscando o espelho. Já a opção pelos EUA viria de um conjunto de fatores. Aqui, os bancos de sêmen trabalham com doações, e as informações sobre os doadores são mínimas. Nos EUA, trata-se de uma relação de compra e venda, com amplo perfil sobre o fornecedor do produto, incluindo fotos (o que é proibido no Brasil), para escolhas mais precisas.
Nem tudo é tão simples. Surpreso com os tais 52% de olhos azuis nas escolhas dos brasileiros, o antropólogo Roberto DaMatta crê que há mais coisas por trás disso: “Prevalece o padrão estético ocidental, disseminado pela mídia americana e mesmo pela publicidade brasileira, uma baita contradição num país mestiço como o nosso. Apesar dos avanços, o louro de olhos azuis é e vai continuar sendo a referência.”
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) começou a monitorar esse tipo de importação em 2011. No mesmo ano, lançou um documento com procedimentos e regras sanitárias sobre o assunto. Em 2012, um dos maiores bancos de sêmen americanos, o Fairfax Cryoank, passa a ter um representante no Brasil. Hoje, é o que mais envia amostras de sêmen para cá – 73% do total nos últimos dois anos.
Além dos laços com clínicas brasileiras, contribui para a popularidade dos bancos americanos o tal detalhamento no histórico do doador. Ao contrário das escassas informações disponíveis sobre os brasileiros, no caso dos americanos é possível saber detalhes da ficha médica, ter um perfil psicológico, ver fotos da infância e até mesmo ouvir a voz do dono do sêmen. Pelas leis dos EUA, os nascidos de inseminação têm até o direito de conhecer o doador ao completarem 18 anos.