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Por Redação O Sul | 29 de outubro de 2018
A julgar por declarações da campanha, a política externa liderada por Jair Bolsonaro será a mais alinhada aos Estados Unidos desde o governo do marechal Humberto Castelo Branco, o primeiro depois do golpe de 1964, segundo analistas e diplomatas. Essa orientação decorreria menos de cálculos estratégicos do que da associação que Bolsonaro e sua equipe buscaram com o ideário de Donald Trump, em especial no que diz respeito à retórica nacionalista e à desconfiança das instituições multilaterais. “Trump quer que os Estados Unidos sejam grandes, eu também quero um Brasil grande”, disse Bolsonaro em julho no programa Roda Viva.
O general Augusto Heleno Pereira, possível ministro da Defesa, já declarou que as relações com os EUA “podem melhorar”, e criticou a “prevenção enorme” da esquerda em relação à superpotência. Na última sexta-feira (26), o presidente do PSL, Gustavo Bebbiano, reagindo a uma declaração da observadora eleitoral da OEA (Organização dos Estados Americanos) sobre fake news, disse que o organismo interamericano tem “zero credibilidade”, e que, como a ONU (Organização das Nações Unidas), tem “viés esquerdista, globalista”. Filho do capitão, Eduardo Bolsonaro, deputado federal por São Paulo, esteve em agosto com Steve Bannon, ideólogo da campanha de Trump.
O ocidentalismo ortodoxo
No início de outubro, em entrevista à agência Reuters, o cientista político Paulo Kramer, da assessoria de Bolsonaro, indicou como possível chanceler do próximo governo o embaixador Ernesto Araújo, diretor do Departamento de EUA, Canadá e Assuntos Interamericanos do Itamaraty.
No segundo semestre de 2017, Araújo publicou em uma revista do centro de estudos do Itamaraty o ensaio “Trump e o Ocidente”, que se tornou referência no círculo bolsonarista. Nele, o embaixador afirma que o presidente americano assumiu a missão de resgatar a civilização ocidental, sua fé cristã e suas tradições nacionais forjadas “pela cruz e pela espada”.
O ensaio dá pistas para interpretações de obsessões de Trump, como seu desejo de se aproximar da Rússia (bastião do cristianismo ortodoxo) e seus reiterados ataques à Alemanha (que teria jogado fora a criança, o nacionalismo, junto com a água da bacia, o nazismo). Termina conclamando o Brasil a, sem desprezar sua tradição de política externa autônoma, “alinhar-se consigo mesmo”.
O cientista político Dawisson Belém Lopes, professor de relações internacionais da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), avalia que, se adotar o trumpismo como modelo, o presidente eleito tenderá a fazer uma política externa personalista e contrária ao multilateralismo.
Descarte de propostas
Entre conhecedores da diplomacia, a expectativa é de que Bolsonaro nomeie um chanceler atento à trajetória diplomática brasileira, que o convença a descartar propostas inspiradas em iniciativas de Trump e que eles consideram temerárias para o País: questionar acordos ambientais (Bolsonaro já disse que desistiu de tirar o Brasil do Acordo do Clima de Paris); abandonar organismos de direitos humanos; transferir a embaixada em Israel para Jerusalém (além dos EUA, só a Guatemala o fez); ou antagonizar demais a China, maior parceiro comercial do e membro dos Brics, cuja cúpula de 2019 será no Brasil (a visita de Bolsonaro a Taiwan, em fevereiro, motivou uma nota de protesto da embaixada chinesa).
“Os EUA fazem essas coisas, mas são uma superpotência. Se levar essas ideias adiante, Bolsonaro acentuaria o isolamento do País a um ponto enorme”, diz o embaixador aposentado e ex-ministro de vários governos Rubens Ricupero, autor de “A diplomacia na construção do Brasil: 1750-2016”.
O também diplomata aposentado José Alfredo Graça Lima, que já representou o Brasil em organismos comerciais e hoje é conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, afirma que “determinadas frases [de Bolsonaro] terão que ser revistas à luz da realidade”:
“Haverá um processo educativo, que vai evoluir de acordo com a sua assessoria.” Nem Ricupero nem Roberto Abdenur — que foi vice-chanceler no governo FHC e embaixador na China, entre outros países — acreditam que o alinhamento com Washington possa automaticamente beneficiar o Brasil.
“Bolsonaro pode conseguir a simpatia retórica, mas Trump é América Primeiro. Ele só quer levar vantagem e já criticou as práticas comerciais do Brasil. Com esse tipo de amigo, não precisamos de inimigo”, afirmou Ricupero.
Apostas para a a Chancelaria
Na campanha, Bolsonaro disse duas vezes que nomearia um diplomata chanceler. Além de Ernesto Araújo, citado por seu assessor Paulo Kramer, diplomatas mencionam outros nomes: o embaixador Luís Fernando Serra, que o presidente eleito conheceu em Seul; e Pedro Bretas, que está encerrando seu período como embaixador no Canadá e teria a simpatia do general Heleno Pereira.