Quarta-feira, 25 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 29 de outubro de 2018
Abraçada pelo mercado financeiro desde o primeiro sinal de que adotaria reformas e austeridade fiscal, a candidatura de Jair Bolsonaro tem agora o desafio de detalhar como fará a retomada da economia e de fazer reformas impopulares. Ao longo da campanha, o capitão reformado do Exército não deu pormenores de suas propostas econômicas e transferiu essa responsabilidade para Paulo Guedes, sua escolha para comandar o Ministério da Fazenda. Eleito, Bolsonaro precisa nomear equipe e negociar com Congresso e sociedade.
Guedes, por sua vez, não explicou como várias de suas sugestões ficarão em pé. Analistas são unânimes em afirmar que, para retomar o crescimento econômico mais vigoroso e permitir que o Brasil volte a gerar emprego — há 12,7 milhões de desempregados —, o primeiro passo é tirar o País da insolvência fiscal em que se encontra. Para isso, a reforma da Previdência é a agenda prioritária.
Mas nem neste tema as propostas de Bolsonaro e do seu “posto Ipiranga” Paulo Guedes são claras. Uma das ideias é criar um regime de capitalização para a Previdência. Hoje, o País adota o modelo de repartição — no qual trabalhadores da ativa custeiam a aposentadoria dos mais velhos. Na capitalização, cada trabalhador teria a sua própria poupança e esses recursos, no futuro, garantiriam sua aposentadoria.
O problema é como fazer a transição, ou seja, como migrar os novos trabalhadores para a capitalização e bancar a aposentadoria de quem hoje depende do regime de repartição. Não está explícito, nas propostas de Guedes, como fechar essa conta, que pode chegar a R$ 100 bilhões.
Contas que não fecham
Mas o mercado deu um voto de confiança a Bolsonaro acreditando que ele escolheu uma equipe comprometida com a agenda de reformas, sendo que a primeira da fila seria a da Previdência. O regime de aposentadorias fechou 2017 com rombo de R$ 269 bilhões.
Esse voto de confiança, porém, tem prazo de validade, diz Claudio Frischtak, da consultoria Inter.B: “Vai depender da formação da equipe, da capacidade em lidar com o Congresso e de convencer a sociedade de que é preciso fazer a reforma da Previdência. É uma ambição pouco realista falar em zerar o déficit fiscal em 2019 e ter superávit em 2020”.
Frischtak se refere à proposta de Guedes de acabar com o rombo nas contas públicas no primeiro ano de governo. Nos últimos 12 meses, o déficit é de R$ 97,6 bilhões.
O guru econômico de Bolsonaro também propõe isentar do IR (Imposto de Renda) de quem ganha até cinco salários mínimos e adotar alíquota única de 20% para as demais faixas. Mas, com as contas públicas no vermelho pelo quinto ano seguido, a equipe de Bolsonaro não explica como compensar a queda na arrecadação com a mudança.
Para o senador José Serra (PSDB-SP), o quadro econômico tende a ser relativamente favorável no primeiro e no segundo ano de governo, graças a uma situação confortável nas contas externas e na inflação:
“O desafio vai pelo lado das expectativas dos agentes econômicos. Se os empresários acharem que a economia irá bem, ela irá bem, porque vão aumentar os investimentos.”
Hoje, mais de 90% das despesas são obrigatórias. O teto de gastos, criado por Temer em 2016, prevê que, por 20 anos, as despesas do governo ficarão congeladas, ou seja, só poderão subir no mesmo ritmo da inflação. Economistas com visão mais crítica citam a pouca experiência na máquina administrativa da equipe como fator de preocupação.
Desemprego
A proposta de Paulo Guedes para atacar o desemprego, sobretudo entre jovens, é criar um novo tipo de contrato, a “carteira verde e amarela”, que só estaria disponível para quem tem entre 20 e 25 anos. O empregado abriria mão da contribuição patronal para o INSS e poderia investir livremente os recursos do FGTS.
Naércio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, avalia que a reforma trabalhista do governo Temer foi na direção correta, de flexibilizar regras e reduzir processos. “Acabamos de fazer uma reforma trabalhista, não há por que fazer uma nova.”
Desburocratizar é fundamental para a retomada dos investimentos em infraestrutura, diz Frischtak, da Inter.B. Nos últimos anos, o País destinou menos de 2,38% do PIB, patamar considerado o mínimo necessário para manter a atual rede de infraestrutura — ou seja, os ativos de transportes, telecomunicações, energia e saneamento estão se deteriorando. Este ano, a Inter.B estima que o País vá investir só 1,70%.
Segundo o economista — que assessorou a presidenciável Marina Silva (Rede) e cujos estudos têm sido citados em círculos da campanha de Bolsonaro —, a privatização é indispensável, diante da incapacidade de o Estado investir. Paulo Guedes propõe usar recursos obtidos com a venda de estatais para zerar o déficit público. Mas Frischtak lembra que “há diferentes visões” dentro da equipe de Bolsonaro.