Quinta-feira, 28 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 2 de dezembro de 2018
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Descubro em minhas anotações de 1989, algumas notas de uma conversa com J., a quem chamo meu “mestre”. Naquela época, falávamos de um desconhecido místico, chamado Kenan Rifai, sobre o qual pouco se escreveu.
– Kenan Rifai diz que quando as pessoas nos elogiarem, devemos ficar de olho em nosso comportamento – diz J. – Porque isso significa que escondemos muito bem nossos defeitos. No final, terminamos por acreditar que somos melhores do que pensamos, e o próximo passo é deixar-se dominar por um falso sentimento de segurança, que terminará nos cercando de muito perigo.
Como prestar atenção às oportunidades que a vida nos dá?
– Se você tiver duas oportunidades apenas, saiba transforma-las em doze. Quando tiver doze, elas se multiplicarão automaticamente. Por isso Jesus diz: “aquele que muito tem, mais lhe será dado. Aquele que pouco tem, o pouco que tem lhe será tirado”.
É uma das frases mais duras do evangelho. Mas tenho reparado, no decorrer da vida, que é absoluta verdade. Entretanto, como vou poder identificar as oportunidades?
– Preste atenção a todos os momentos, porque a oportunidade, o “instante mágico”, está ao nosso alcance, embora sempre o deixemos, passar, por causa do sentimento de culpa. Portanto, evite gastar seu tempo culpando a si mesmo: se você não for digno do que está fazendo, o universo se encarregará de corrigi-lo.
E como o universo vai me corrigir?
– Não será através de tragédias; estas acontecem porque são partes da vida, e não devem ser encaradas como punição. Geralmente o universo nos indica que estamos errados, quando nos tira o que temos de mais importante: nossos amigos.
“Kenan Rifai foi um homem que ajudou muita gente a encontrar-se consigo mesmo, e a conseguir uma relação harmoniosa com a vida. Mesmo assim, algumas destas pessoas se mostraram ingratas e jamais voltaram a cabeça para dizer ao menos ‘obrigado’. Só retornavam a ele quando de novo suas existências se encontravam em completa confusão. Rifai tornava a ajudá-las, sem fazer qualquer referência ao passado: ele era um homem de muitos amigos, e os ingratos sempre terminavam sozinhos.
– São belas palavras, mas não sei se sou capaz de perdoar a ingratidão com tanta facilidade.
– É muito difícil. Mas não há escolha: se você não perdoar, irá pensar na dor que lhe causaram, e esta dor não passará nunca.
“Eu não estou dizendo que você deva gostar de quem lhe fez mal. Não estou dizendo que volte a conviver com esta pessoa. Não estou sugerindo que passe a vê-la como um anjo, ou como alguém que agiu insensatamente, sem intenção de ferir. Estou apenas afirmando que a energia do ódio não irá levá-lo a lugar nenhum; mas a energia do perdão, que se manifesta através do amor, conseguirá transformar positivamente sua vida”.
– Foi ferido muitas vezes.
– Por causa disso, ainda carrega dentro de si o menino que chorou escondido dos pais, que era o mais fraco da escola. Ainda traz as marcas do rapaz franzino que não conseguia arranjar uma namorada, que jamais foi bom em qualquer esporte. Não conseguiu afastar as cicatrizes de algumas injustiças que cometeram com ele durante sua vida.Mas o que isso lhe acrescenta de bom?
“Nada. Absolutamente nada. Apenas um constante desejo de ter piedade de si mesmo, porque foi vítima dos que eram mais fortes. Ou então, vestir-se como um vingador pronto para ferir mais ainda aquele que o machucou”.
Você não acha que está perdendo seu tempo com isso?
– Acho que é humano.
– Realmente é humano. Mas não é nem inteligente, nem razoável. Respeite seu tempo nesta Terra, saiba que Deus sempre o perdoou, e perdoe também.
Depois desta conversa com J., que aconteceu pouco antes de minha viagem para passar 40 dias no deserto de Mojave (Estados Unidos), eu comecei a entender melhor o menino, o adolescente, o adulto ferido que fui um dia. Certa tarde, indo do Vale da Morte (Califórnia) para Tucson (Arizona), fiz mentalmente uma lista de todos que eu julgava odiar, porque me feriram. Fui perdoando um a um, e seis horas depois, em Tucson, minha alma estava mais leve, e minha vida mudara para muito melhor.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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