Quinta-feira, 06 de fevereiro de 2025
Por Redação O Sul | 20 de dezembro de 2018
Uma das mulheres que procuraram a Polícia Civil de Goiás para denunciar os supostos abusos sexuais cometidos por João Teixeira de Farias, o João de Deus, relatou pânico durante o atendimento e receio de ser agredida pelo médium ou pelos frequentadores do centro espírita em Abadiânia (GO), se reagisse.
O jornal Folha de S.Paulo teve acesso ao depoimento da paciente, que embasou o principal inquérito contra João de Deus e seu pedido de prisão. Conforme investigadores, até sexta-feira (21) ele será indiciado nesse caso por posse sexual mediante fraude ou outro meio que impeça a livre manifestação da vítima, crime cuja pena é de até seis anos de reclusão em regime fechado.
Entre outros casos sob investigação, consta o de uma mulher que alega ter sido estuprada em 1987, quando tinha 11 anos. E o de outra que, atendida no início de 2018, contou ter sido alertada pelos moradores de Abadiânia do risco de morte se denunciasse violação. O médium prestou depoimento no domingo (16), dia de sua prisão, e negou ter abusado de mulheres e crianças em seu centro espírita. Ele declarou que os atendimentos individuais são feitos a pedido das pacientes e em locais visíveis para quem está do lado de fora.
No inquérito que embasou a prisão de João de Deus, a denunciante contou ter ido com o namorado e a cunhada à Casa Dom Inácio de Loyola, espécie de hospital de cirurgias espirituais mantido pelo médium, em 24 de outubro. Enquanto aguardava na antessala, ele teria se aproximado e pedido para que os acompanhantes saíssem, pois ela precisava de “atendimento individual”.
O médium, então, teria apagado a luz, a colocado de costas e começado a passar as mãos em suas costas, braços e barriga. Em seguida, teria passado a massagear o baixo ventre da suposta vítima, ao mesmo tempo em que pedia que mexesse o quadril.
A suposta vítima contou ter tentado se esquivar e, então, passado a observar as atitudes de João de Deus. Relatou que pedia calma a si própria mentalmente e que determinou que encerraria a sessão se percebesse que o médium tinha uma ereção.
“Desde que houve o desligamento da luz e ficou de costas para o autor, sentiu-se constrangida e, por ser da religião espírita, percebeu que a conduta não era comum em tratamento espiritual”, diz transcrição do depoimento à Polícia Civil.
João de Deus teria acendido a luz e perguntado o que a paciente achava estar acontecendo ali. Ela disse ter respondido que acreditava ser um tratamento para seu útero, ao que ele teria novamente deixado o ambiente na penumbra e, na sequência, solicitado que ela massageasse a barriga dele.
Segundo o depoimento, prestado na segunda (10), o médium perguntou se a paciente “queria outro tratamento daquele ou se só aquele bastava”. Ela disse ter ficado em silêncio porque temia demonstrar que estava nervosa e gerar alguma situação agressiva por parte dele. Se gritasse, explicou, poderia ser maltratada pelos trabalhadores e frequentadores do local.
“Assim permaneceu em pânico, enquanto massageava a barriga do médium, que pediu para ela continuar e que fizesse a massagem com mais amor, carinho”, prossegue o relato. João de Deus teria pedido para a denunciante abaixar a mão, quando ela teria notado que uma parte do pênis dele estava para fora da roupa. “Ele arrumou as calças, acendeu a luz e pediu para escolher um dos quadros que estavam expostos em cima da mesa”, afirmou ela. A suposta vítima diz ter sido presenteada com duas telas, com imagens de Nossa Senhora, uma escolhida por ela própria e a outra pelo médium.
Ele então teria destrancado o cômodo, pedido que ela saísse e a apresentado ao público de forma elogiosa. “Pediu que ela escolhesse um dos cristais que estavam no salão. E pediu para que ela não relatasse a forma do tratamento para ninguém”, concluiu a depoente.
Para os investigadores, esse e outros casos demonstram que João de Deus se aproveitava da vulnerabilidade “psicoemocional” das pacientes –fragilizadas por conta de doenças – para praticar os abusos. Para isso, usaria uma estratégia de intimidação, ao isolá-las dos demais atendidos, além de dar às violações uma roupagem de ritual de fé.