Quarta-feira, 27 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 23 de dezembro de 2018
Desde 22 novembro, o assistente de chancelaria do vice-consulado do Brasil em Puerto Ayacucho, na Venezuela, Leonardo de Souza, está proibido de se aproximar, ligar, mandar e-mails ou mensagens para uma funcionária local. Também não pode persegui-la ou tentar intimidá-la.
As ordens foram dadas pelo Ministério Público do Estado do Amazonas da Venezuela, que se refere ao diplomata brasileiro como “suposto agressor” e evoca a Lei Orgânica Sobre o Direito das Mulheres a Uma Vida Livre de Violência para vetar qualquer contato entre a subordinada e o chefe. Desde maio, existe uma investigação interna no Ministério das Relações Exteriores para apurar a conduta do servidor, que após a denúncia deve ser removido para a Bolívia.
O caso engrossa as estatísticas obtidas com exclusividade pelo jornal O Globo na CGU (Controladoria-Geral da União). Os dados revelam que o ano de 2018 bateu recordes em procedimentos instaurados para apurar denúncias de assédio sexual e moral e em demissões decorrentes delas no governo federal.
Só este ano foram instaurados 185 processos de apuração relacionados a assédio, que geraram expulsões de nove servidores. Em 2014, quando a CGU começou a catalogar “assédio sexual e moral” entre os temas que motivam abertura de investigações internas, foram instaurados 91 processos apuratórios e dois servidores foram expulsos.
O documento do Ministério Público venezuelano assinala que “foram impostas por essa Representação Fiscal três medidas de proteção e segurança sendo as mesmas de natureza preventiva e decretadas para salvaguardar a dignidade e a integridade física, psicológica, sexual, patrimonial e de toda ação que viole e ameace os direitos contemplados na Lei Orgânica sobre o Direito das Mulheres a Uma Vida sem Violência da cidadã M. J. Q. A”.
Questionado sobre o caso, o Itamaraty respondeu que, “por exigência legal, deve manter sigilo sobre quaisquer processos administrativos em curso”. Procurada, a funcionária não quis se manifestar. A reportagem enviou e-mails e fez ligações para Souza, mas não obteve resposta.
Número real é maior
Apesar do número crescente de casos, os dados da CGU referentes a assédio no ambiente de trabalho mostram uma discrepância entre as denúncias e as punições.
“O número de demissões é baixo porque, na maioria dos processos em que trabalhamos, não há prova material. Geralmente, a prova é por indício. Quando conseguimos comprovar um fato menor, aplicamos outras punições como advertência ou suspensão”, diz Aline Cavalcante dos Reis Silva, corregedora-geral da União substituta.
Além das nove expulsões, dez servidores foram suspensos e três advertidos devido a denúncias de assédio sexual e moral em 2018.
Para ter dados mais precisos, a CGU pretende separar futuramente os números de assédio sexual dos de assédio moral, segundo a corregedora-geral substituta:
“É uma preocupação que vem sendo aprimorada ao longo do tempo. É importante que consigamos identificar os casos de assédio sexual para trabalhá-los de forma preventiva também.”
Um levantamento feito nos últimos dois meses por meio da lei de acesso à informação com dez dos principais ministérios da Esplanada revela que ao menos cinco deles apuram casos de assédio sexual cometidos por servidores: Transportes, Meio Ambiente, Cultura, Relações Exteriores e Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Nesses dois últimos, ocorreram demissões vinculadas às denúncias.
“Apesar do número crescente de denúncias, as mulheres ainda têm dificuldades para levar esses processos adiante. A partir do momento em que fazem a denúncia, sofrem uma série de pressões e ameaças por terem colocado o violador numa posição difícil. Geralmente são remanejadas de lugar e alertadas de que, se fizerem as denúncias, a vida delas se tornará difícil no trabalho. Tenho casos de assédio sexual envolvendo servidores da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e TSE (Tribunal Superior do Trabalho) sempre seguindo esse modus operandi — disse Ilka Teodoro, sócia de um dos primeiros escritórios de advocacia dedicados à violência de gênero do Brasil.
De repente, um ataque
No caso da Aneel, Ilka relata que o assédio no ambiente de trabalho foi feito na frente de diversas testemunhas . Uma funcionária levou um tapa na bunda do seu superior durante um chá de panela de um colega. A vítima reagiu e deixou o local. Depois do fato, passou a ser assediada moralmente pelo chefe. Descontente, a funcionária fez uma publicação nas redes sociais sobre o assédio. O assediador usou a mensagem para entrar com uma ação contra a funcionária que hoje responde pela suposta calúnia.
Outro caso em que Ilka atuou e no qual houve represálias contra as denunciantes ocorreu na EBC em 2015. Doze mulheres denunciaram um servidor por terem testemunhado ou sofrido assédio sexual cometido por ele. Quando o suposto agressor teve conhecimento da denúncia levada ao Comitê de Gênero do órgão, moveu uma ação contra as denunciantes que gerou outra investigação. Ao serem ouvidas pela polícia, as 12 mulheres recuaram e desistiram da ação.
Dos 25 ministérios ou órgãos com status de ministério do governo federal, a pasta com maior número de casos é a da Educação, que registrou 519 denúncias e nove demissões em 2018. Em nota, o MEC disse que da pasta não recebeu nenhuma denúncia do tipo em 2018 e que os casos reportados pela CGU podem ser relativos às Instituições Federais de Ensino espalhadas pelo país.