Terça-feira, 04 de fevereiro de 2025
Por Redação O Sul | 5 de janeiro de 2019
Carlos Ghosn estava cansado. Aos 64 anos, o presidente de um império automotivo que se espalhava por vários continentes e incluía Nissan, Renaut e Mitsubishi não estava mais compensando o jet lag (desconforto após viagem de avião) como antes. A melatonina não estava mais funcionando e ele sofria crises de insônia, telefonava para os filhos no meio da noite ou fazia longas caminhadas na vizinhança em Tóquio ou Paris. Planejava se aposentar em breve, recuando da vida a bordo de um avião, embora luxuoso, pago pela Nissan.
No mês passado, nas vésperas do feriado de Ação de Graças, Ghosn viajou para Tóquio para encontrar sua filha mais nova e o namorado e participar de uma reunião do Conselho de Administração da Nissan. O pouso no aeroporto Haneda estava previsto para as 16h. A filha, Maya Ghosn, de 26 anos, passou a maior parte da infância no Japão e queria apresentar seu namorado, Patrick, aos seus locais favoritos. Trazer um namorado para casa é um rito de passagem comum, mas particularmente intimidador para uma Ghosn — filha de um dos executivos mais romantizados e implacáveis que a comunidade empresarial global já viu.
Maya havia feito uma reserva para jantar às 19h30min no Jiro, um restaurante especializado em sushi premiado pela Michelin, escondido num porão no distrito de Ginza. Ainda em Beirute, no Líbano, Ghosn abriu o WhatsApp e mandou uma mensagem para os filhos, num grupo chamado “Game of Ghosns”, em referência ao seriado da HBO “Game of Thrones”, seu preferido: “A caminho de Tóquio! Amo vocês!”, escreveu, enquanto seu jato decolava.
Ele não apareceu no jantar. No dia 19 de novembro, promotores japoneses cercaram o jato Gulfstream de Ghosn logo após a aterrissagem e prenderam o executivo, sob a alegação de que ele havia, por anos, sonegado milhões de dólares dos registros financeiros da Nissan. Agora, sua prisão foi prorrogada até o dia 11 de janeiro.
Maya estava no apartamento corporativo do pai e, como ele não chegou, ela procurou o motorista dele na Nissan, que disse que o voo provavelmente estava atrasado. Ela mandou a seguinte mensagem para o pai: “Oi, acabei de saber que o voo atrasou. Por favor me avise quando você aterrissar. Preocupada com você”. Exausta do jet lag, cochilou. Patrick a acordou quando viu um tuíte sobre a prisão de Carlos Ghosn.
“Eu fiquei em choque”, disse Maya, em entrevista.
Minutos depois, a campainha tocou. Dois japoneses de terno preto tiraram os sapatos para entrar no apartamento de dois quartos e mostraram a Maya Ghosn um breve texto em inglês. “Há um caso contra seu pai”, dizia o texto, segundo Maya. “O juiz de Tóquio nos garantiu o acesso para revistar a casa. Nós precisamos de uma testemunha. Obrigado por colaborar.”
Quinze homens, também de terno, se seguiram. Trancaram a porta da frente e disseram que eram promotores. Alertaram o casal para não usar seus telefones e sugeriu que eles poderiam tomar o apartamento. Vasculharam as gavetas de Carlos Ghosn, examinaram fotos de família, cartas pessoais e até um boletim escolhar de Maya e papéis de divórcio de seus pais.
“Eu queria que meu pai soubesse que, nessa situação, fui educada e lidei com isso de forma madura. Não quis dar a eles qualquer motivo para se sentirem satisfeitos com qualquer sinal de desespero em meus olhos”, disse Maya Ghosn. “Mas, por dentro, eu estava tremendo. Eu não pude ficar de pé. Eu tive que me escorar na parede.”
Seis horas e meia depois, às 23h30min, os homens saíram. Preocupados com a possibilidade de qualquer coisa que dissessem pudesse ser isso gravado, Maya e seu namorado foram para o banheiro e entraram no chuveiro completamente vestidos. Ligaram a água e sussurraram sobre o que fazer a seguir. Ela ligou para seus irmãos para descobrir como lidar com o sistema legal labiríntico do Japão. Foi informada pelas autoridades que estava proibida de contactar seu pai. Esperou no apartamento por quase dois dias até que um advogado americano que trabalhava para sua família ligou.
“Recebemos instruções muito claras para deixar o imóvel o mais rápido possível por medo de sermos presos ou interrogados para extorquir meu pai”, disse ela. “Então nós pegamos o primeiro voo.”
Uma pessoa que estava acima das nuvens
Não era provável que Carlos Ghosn tivesse sucesso no Japão, mas também não era provável que fracasasse dessa maneira. Ele ganhou as manchetes em 1999, quando, em uma nação conhecida por sua desconfiança em relação a estrangeiros, Ghosn, um engenheiro de origem brasileira, libanesa e francesa, apareceu de óculos escuros e um terno risca-de-giz com planos de realizar uma reestruturação de estilo americano na Nissan. A montadora japonesa tinha US$ 35 bilhões em dívidas, fornecia emprego vitalício a uma força de trabalho inchada e produzia uma frota que qualquer umeu emprego vitalício a uma força de trabalho inchada e produziu uma frota do tipo de carro que você pensaria duas vezes antes de escolher numa concessionária.
Ghosn, então com 45 anos, e vice-presidente da Renault, tinha ajudado a supervisionar uma reviravolta na montadora francesa, que concordou em gastar US$ 5,4 bilhões para comprar uma participação de 36,8% na Nissan Motors. John Casesa, então um dos principais analistas de automóveis da Merrill Lynch, aconselhou Ghosn a alugar uma casa em Tóquio, em vez de comprar uma.
“O consenso amplamente aceito era de que ele falharia, que a Nissan não valeria a pena ser salva”, disse Casesa. “Na época, Bob Lutz, o loquaz vice-presidente da General Motors, avaliou o acordo da seguinte maneira: seria melhor a Renault “pegar US$ 5 bilhões, colocar em uma barcaça e afundar no meio do oceano.”