Sexta-feira, 17 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 4 de agosto de 2015
Há um novo vilão entre nós. O fato de ele ser homem, branco, heterossexual e rico – ou seja, não faz parte de nenhuma minoria discriminada – torna-o um alvo ainda mais perfeito para todos os nossos ódios. O dentista Walter James Palmer, desconhecido até pouco tempo atrás, é o novo inimigo número um da humanidade.
Não estou defendendo o homem. Pelo contrário: acho justíssimo que a vida dele tenha se tornado um inferno. Tenho os caçadores como criaturas desprezíveis, se estiverem caçando apenas pelo prazer de matar um animal. E Palmer já liquidou dezenas de bichos, pagando pequenas fortunas pela oportunidade de matá-los. Merece o fogo eterno.
Esse caso é parecido com os que o jornalista britânico Jon Ronson descreve em seu livro “So You’ve Been Publicly Shamed” (“Então Você Foi Humilhado Publicamente”, em tradução livre). A diferença é que as vítimas citadas por Ronson receberam punições desproporcionais por suas ofensas.
Uma profissional de relações públicas perdeu o emprego por causa de um tuíte considerado racista (era só uma piada mal contada). Um escritor teve a reputação destruída por ter inventado uma frase que ele atribuiu ao cantor Bob Dylan. Todos pagaram caro por pequenos deslizes.
O dentista de Minnesota (EUA) não se encaixa nesse figurino. Ele é um “serial killer” de animais em extinção. Tem uma mentalidade digna do século 19 em pleno século 21. Até já desencavaram um processo que sofreu por assédio sexual, o que faria dele um predador em qualquer ambiente onde estiver.
Por que crimes muito maiores, como os massacres de Srebrenica (que ocorreu na Bósnia e Herzegovina, em 1995) ou Ruanda (que aconteceu em 1994), não geraram tamanha comoção? Porque, nesses episódios, um monte de anônimos matou outro monte de anônimos. E, por piores que fossem as motivações, elas tinham algum fundo político.
Petição on-line.
Já Palmer não é mais apenas um caçador: agora ele é o assassino de Cecil, um leão com nome e história. Ou seja, um personagem, praticamente uma pessoa. Já existe uma petição on-line para que Palmer seja extraditado para o Zimbábue, onde seria julgado por atrair um animal para fora de um parque nacional (mas não por matá-lo, o que não é crime por lá).
O escândalo já ultrapassou as fronteiras da internet. Até mesmo o apresentador americano Jimmy Kimmel fez um monólogo em seu “talk show” que começou com piadas (“por que você precisa matar um leão para ter uma ereção? Já existem remédios para isso”) e terminou em lágrimas.
Com tanta coisa contra e praticamente nada a favor do dentista, todo mundo se sente autorizado a jogar pedras nele, reais ou virtuais. Palmer provavelmente não perderá a clientela – que provavelmente sabia de seu hobby –, já que seu consultório deve ser atulhado de troféus. Mas talvez tenha que fazer uma doação a uma ONG (organização não governamental) de preservação, ou passar a circular disfarçado.
O fato é que agora Palmer é o nosso malvado favorito. Ah, quer saber? Não tenho o menor dó. (Tony Goes/Folhapress)