Quinta-feira, 06 de fevereiro de 2025
Por Redação O Sul | 17 de agosto de 2019
O Paraguai enfrenta crise política desde o fim de julho, quando foi revelada a assinatura de um acordo secreto com o Brasil para a renegociação dos termos de distribuição de energia da usina hidrelétrica binacional de Itaipu. As informações são do jornal Folha de S.Paulo.
O novo pacto traria prejuízos de mais de US$ 200 milhões a Assunção, o que foi considerado “traição à pátria” pelos parlamentares da oposição e até pelo Honor Colorado, corrente do partido do presidente, Mario Abdo Benítez.
Entenda a origem e os desdobramentos dessa crise.
O que é Itaipu?
Localizada na fronteira entre o Paraguai e o Brasil e com gestão compartilhada entre os dois, a usina binacional de Itaipu é a segunda maior hidrelétrica do mundo em capacidade instalada, atrás apenas da chinesa Três Gargantas. Sua construção começou nos anos 1970 após uma longa negociação entre Brasília e Assunção, mas ela só entrou oficialmente em funcionamento em 1984.
O tratado que estabeleceu as regras de Itaipu define que cada país tem direito a metade do que é produzido pela usina.
Segundo as regras atuais, cada país declara a cada ano quanto vai usar — a chamada energia garantida. Mas como o Brasil usa muito mais energia do que o Paraguai, acaba comprando parte da produção do vizinho — a chamada energia adicional.
Atualmente, o Brasil consome 84% da produção da usina, e o Paraguai, 15,6%; o restante serve para abastecer a própria hidrelétrica.
Além disso, há ainda a chamada energia excedente, que é a produzida além da garantida (devido a fortes chuvas, por exemplo) e comercializada por um valor mais baixo. Metade do excedente fica com cada país.
A disputa atual começou porque o Paraguai tradicionalmente declara que vai usar um valor menor do que realmente precisa. Em 2018, por exemplo, o país consumiu quase o dobro do que tinha previsto. Para resolver isso, o país compra parte da energia excedente.
O Brasil não gosta disso e quer que o Paraguai compre mais energia garantida (que é mais cara) e menos energia excedente (que é mais barata). Por isso, os dois países negociaram um novo acordo.
O que gerou a crise?
A revelação dos termos do novo acordo entre Brasil e Paraguai. O documento estabelecia um cronograma para a comercialização da energia gerada pela usina até 2022.
Pela revisão acertada neste ano entre Assunção e Brasília, o Paraguai aumentaria seus gastos em mais de US$ 200 milhões, porque o novo trato obrigava o país vizinho a comprar um volume maior da energia garantida produzida pela usina, o que geraria aumento na conta de luz para os consumidores paraguaios.
Além disso, os novos termos suprimiam um item que permitia à Ande (estatal elétrica paraguaia) vender diretamente sua parte da energia excedente gerada por Itaipu para a Eltrobras. Pelo novo pacto, contudo, esse excedente poderia ser vendido para distribuidores privados brasileiros.
O Brasil tem necessidade energética maior que o Paraguai, o que torna o país um mercado em potencial para o excedente.
A ata foi assinada em dia 24 de maio, em Brasília, por autoridades brasileiras e paraguaias.
Mensagens reveladas no início de agosto pelo jornal paraguaio ABC Color mostraram que o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, sabia dos termos prejudiciais do acordo, e essa teria sido uma das razões pelas quais o documento não foi tornado público até o final de julho.
Além disso, nas mensagens, Benítez relatava pressão do governo brasileiro para assinar o documento e pedia ao então presidente da Ande, Pedro Ferreira, que ficasse em silêncio sobre o tema.
As mensagens não deixam claro o quanto Ferreira esteve envolvido nas conversas que levaram aos novos termos do acordo, mas ele se negou a assinar o documento.
Quando o documento veio a público?
No final de julho, dando início à crise que desencadearia uma série de renúncias no governo paraguaio e à ameaça de impeachment do presidente Abdo Benítez. A oposição paraguaia, ao saber dos termos, chamou o acordo de “entreguista” e “traição à pátria”.
Após a publicação do documento, o presidente da Ande renunciou, alegando não concordar com os termos do acordo.
Foi pedido então a anulação do acordo e, em seguida, quatro funcionários do governo renunciaram: o chanceler paraguaio, Luis Castiglioni; Alcides Jiménez, que havia assumido o cargo de chefe da companhia estatal de energia Ande depois da saída de Pedro Ferreira; Hugo Saguier, embaixador do Paraguai no Brasil; e José Alderete, diretor paraguaio de Itaipu.
A crise fez com que a ameaça de um pedido de impeachment de Abdo Benítez ganhasse força. No dia 31 de julho, partidos de oposição e parte do Partido Colorado, sigla do presidente, ameaçaram votar seu afastamento e o de seu vice, Hugo Velázquez.
No dia seguinte, a ata com os novos termos foi cancelada unilateralmente pelo Paraguai, o que esvaziou a instalação do impeachment. Depois, o governo brasileiro reconheceu que o acordo não tem mais validade.