Terça-feira, 24 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 13 de outubro de 2019
Quando decidiu restringir o acesso do filho ao computador, Mariana (nome fictício) observou um comportamento diferente daquele que o adolescente costumava demonstrar. O garoto, então com 12 anos, se revoltava contra os pais quando era obrigado a ficar algumas horas sem usar a internet. Xingava, gritava e arremessava objetos. Parecia outra pessoa, segundo relato da própria mãe. “Ele tinha um ódio no olhar, ficava totalmente transtornado. Não era mais aquele menino doce e carinhoso”, conta ela.
Mariana decidiu procurar ajuda. Passou a participar de um grupo de apoio a pais e parentes de jovens que fazem uso abusivo de tecnologias. Ao frequentar as sessões, coordenadas por profissionais do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (IPq-HC/USP), percebeu que o que o filho tinha era um vício e conheceu outras famílias com o mesmo drama.
O fenômeno, já notado por alguns pais, está sendo quantificado por uma pesquisa pioneira no Brasil. Levantamento da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) com mais de 2 mil adolescentes mostra que 25,3% são dependentes moderados ou graves de internet.
“Como a amostra pesquisada é grande, é um estudo representativo da realidade dos centros urbanizados brasileiros”, ressalta Hermano Tavares, coordenador do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso do IPq, que conta com um grupo de tratamento para dependência tecnológica.
O estudo foi feito com jovens de 15 a 19 anos de escolas públicas e privadas da região metropolitana de Vitória. Eles responderam a um questionário internacionalmente utilizado para verificar o vício digital, o Teste de Dependência de Internet (ou Internet Addiction Test, em sua versão original, em inglês).
Mais do que medir o tempo de uso das redes, a avaliação tem como objetivo verificar como acesso à internet impacta na rotina, emoções e relacionamentos dos usuários.
É esse impacto, segundo especialistas e pais de jovens, o principal indicador de quando o uso da internet torna-se problemático. No caso do filho de Mariana, hoje com 16 anos, o vício em jogos online trouxe, além de comportamento agressivo, queda de rendimento na escola, ansiedade e atitudes antissociais. “É triste abrir a porta do quarto do filho, saber que ele tem a oportunidade de frequentar tantos lugares e vê-lo só enfurnado em casa”, diz.
Mais problemas. Outro reflexo da dependência tecnológica é a presença de transtornos mentais associados. Segundo George Nunes Bueno, pesquisador da Ufes e um dos responsáveis pelo estudo, a proporção de jovens com sintomas de ansiedade no grupo de dependentes tecnológicos é o dobro da verificada entre não dependentes (34%, ante 17%).
“O número de dependentes é maior entre os que dizem usar a internet para se divertir, passar tempo livre ou que considera a internet uma companhia”, explica o especialista.
Razões. A solidão e a baixa autoestima são algumas das razões para o uso problemático da internet, principalmente entre os mais jovens. “A autoimagem é muito importante na adolescência e muitos encontram nas redes sociais a aprovação e a popularidade que não encontram fora da internet”, diz Sheila Niskier, médica do adolescente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Para o psicólogo Cristiano Nabuco, coordenador do grupo de dependências tecnológicas do IPq-HC, outra razão para o uso excessivo de internet entre jovens brasileiros é a enorme desigualdade sociocultural do País. “Perante a web, todos são iguais e têm oportunidades de cultura similares”, afirma.
Ele afirma ainda que a violência urbana registrada nas cidades brasileiras faz com que os próprios pais prefiram que os filhos permaneçam em casa, no computador, a que façam atividades externas.
Para os especialistas, é importante que os pais saibam identificar o problema, impor limites e mudar hábitos dentro de casa. “O adolescente tem o pé no acelerador das emoções, é impulsivo. O controle tem de ser externo. Muitas vezes o uso da internet está preenchendo um vazio na família”, afirma Sheila.