Sexta-feira, 15 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 2 de novembro de 2019
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Os eventos explosivos do Chile causaram impacto e perplexidade. De repente, tudo que é sólido desmancha no ar. Cada um tem a explicação particular, cabal e definitiva sobre o protesto das massas, a selvageria nas ruas, a brutalidade da repressão policial – 18 mortos até a hora em que escrevo.
Há as bobagens de sempre da direita, que não se cansa de ser tosca, às vezes ridícula, como quando acusa o Foro de São Paulo, Cuba, Maduro, pela turbulência. O presidente Bolsonaro, que não perde tempo em oferecer sua valiosa contribuição ao anedotário, atribuiu os eventos do Chile ao terrorismo.
É espantoso que a onda de manifestações – mais de um milhão de participantes na sexta-feira, dia 25/10 – se dê com tamanha intensidade e força no Chile. A renda per capita do país é a maior da América Latina, cerca de 50% maior do que o Brasil; o Chile, dentre os 36 países da OCDE-Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, tem a maior mobilidade social: 23% dos chilenos que nasceram de uma família pobre ascenderam ao patamar da população de maior renda.
A economia está em contínuo crescimento, inflação sob controle e é baixo o índice de desemprego. A dívida do Chile é da ordem dos 5% em relação ao PIB. Para comparar, a do Brasil é de 66%. O salário mínimo, em reais, é de R$ 1.700, contra R$ 998 no Brasil. A desigualdade – disfunção intrínseca do capitalismo – do Chile é maior do que na maioria dos países da OCDE, mas é mais ou menos semelhante e até menor do que os países da região.
Na voragem das massas, não há presença organizada de partidos ou movimentos políticos, não há liderança, não há estratégia visível. Os partidos de esquerda, tomados de surpresa, tanto quanto o governo, estão a reboque dos acontecimentos.
Diz-se que é a previdência. Sob o regime de capitalização individual, e não de repartição, como no Brasil, os chilenos pagam 10% dos seus ganhos e salários, depositados em fundos privados. Não há contribuição do empregador. O Estado provê benefícios modestos para a população mais pobre, que não tem condições de contribuir.
De todo o modo, os chilenos recebem em média, de aposentadoria ou pensão, 34% do salário de contribuição, mais do que o Reino Unido, 22,6%, Austrália, 32%, parecido com o Japão, 35%, os EUA e a Alemanha, 38%.
Algo a ver com as manifestações de seis anos atrás no Brasil? Certamente. No nosso caso, elas têm sido exaustivamente estudadas, principalmente na universidade. Um leitor da Folha de SP anotou que no catálogo de teses e dissertações da CAPES, aparecem 1.147.100 trabalhos na rubrica “manifestações de 2013”! Apesar de tanto empenho ninguém sabe direito as causas da convulsão de 2013.
Os movimentos de massa como do Chile abalaram cerca de 80 países (a conta é do sociólogo espanhol Manuel Castells), de todos os índices econômicos e sociais, níveis de renda e riqueza, e contextos políticos. Vieram quase do nada, explosões espontâneas, caóticas, sem liderança, partido ou estratégia. Em comum exibem uma raiva difusa. A raiva, que segundo Hannah Arendt, “surge somente quando há razão para suspeitar que as condições poderiam ser mudadas e não foram”.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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