Terça-feira, 18 de março de 2025
Por Redação O Sul | 26 de janeiro de 2020
A primeira campanha do governo federal para promover a abstinência sexual como meio de evitar a gravidez na adolescência deve chegar às ruas no dia 3 de fevereiro.
A estratégia de marketing para divulgar o que o governo chama de “iniciação sexual não precoce” está sendo desenhada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos em conjunto com o Ministério da Saúde e terá foco inicial nas redes sociais. A campanha pretende alcançar o público de 10 a 18 anos.
O objetivo é mostrar aos jovens os benefícios de adiar o início da vida sexual. De acordo com o secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Maurício José Silva Cunha, a argumentação não é pautada em elementos religiosos e sim em estudos científicos.
A extensão da campanha para televisão e rádio, por exemplo, ainda depende da disponibilidade do Ministério da Saúde para arcar com os custos.
O anúncio que a abstinência sexual seria usada como política de governo contra a gravidez precoce gerou polêmica. A medida, contudo, foi confirmada pela ministra Damares Alves.
A expectativa é que após essa primeira sensibilização, os ministérios construam a Política Nacional de Prevenção ao Risco da Atividade Sexual Precoce. O governo também vai lançar também um termo de referência para contratação de consultores para trabalhar no desenvolvimento da política. Nos documentos já produzidos, as experiências dos Estados Unidos e de Uganda aparecem como exemplos positivos da política de abstinência sexual entre adolescentes, independentemente da situação econômica da região.
A campanha planejada pelo governo será feita no âmbito de uma lei sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro que criou a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência. Ficou estabelecido que anualmente, na primeira semana de fevereiro, serão realizadas ações com o objetivo de “disseminar informações sobre medidas preventivas e educativas que contribuam para a redução da incidência da gravidez na adolescência”.
Segundo Cunha, a propagação da ideia de adiar a vida sexual é tratada no governo sob a perspectiva de preservar um direito humano de crianças e adolescentes. Ele nega que o governo deixará de recomendar métodos contraceptivos.
“Para nós, isso é uma ampliação de direitos. Ou seja, a gente não está de forma alguma renunciando outros métodos contraceptivos. A gente quer que seja um componente a mais do leque que temos de redução ao risco sexual precoce. O fortalecimento da criança e adolescente e suas famílias como uma opção, não como imposição ou agenda única de redução da gravidez”, disse.
Apesar da garantia de Cunha de que campanhas públicas sobre métodos contraceptivos não perderão a força, essas iniciativas não são de responsabilidade do ministério em que atua. O Ministério da Saúde é que elabora e divulga as mobilizações em torno do sexo seguro e uso de métodos anticoncepcionais.
Risco
A proposta não tem apoio de grande parte dos médicos e especialistas na área e levou a Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras a emitir uma nota contrária. Para uma das fundadoras da rede, a professora de ginecologia e obstetrícia da Universidade Federal de Campina Grande, Melania Amorim, a proposta “coloca adolescentes em risco”.
Dados citados pelo grupo de médicas mostram que o Brasil acompanha a tendência mundial de queda das taxas de gravidez, mas ainda possui um dos maiores índices da América Latina (18,2%), com 69,9 nascimentos para cada mil mulheres entre 15 e 19 anos. O agravante é que essa incidência não se dá de forma homogênea: quase 18% das adolescentes de renda mais baixa se tornam mães, enquanto no estrato de renda superior a cinco salários mínimos a proporção não chega a 1%.
“Nós emitimos uma nota de repúdio porque somos cientistas e pesquisadoras, trabalhamos na área há anos, e sabemos por evidências cientificas, estudos e metanálises, que esses programas baseados na abstinência não funcionam, não são factíveis. Ele ainda coloca em risco os adolescentes porque quem adere a esse tipo de programa só se prepara para abstinência e, quando inicia a vida sexual, não está preparado para contracepção e prevenção de doenças, tornando-se mais suscetível do que quem tinha educação sexual e via como concreta a possibilidade de iniciar a atividade sexual. Além disso, esses programas são heteronormativos, colocando em risco adolescentes LGBTQ+, e reproduzem estereótipos de gênero, com a menina numa posição passiva. E isso tem influência por toda a vida, até no risco de violência sexual e de inabilidade em negociar o uso de preservativos ao iniciar a vida sexual”, esclareceu Melania.