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Por Redação O Sul | 17 de fevereiro de 2020
O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra, em hipótese alguma, o direito à incitação e à discriminação e ao preconceito de raça ou religião. Com esse entendimento, a 8ª Turma do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), sediado em Porto Alegre, condenou um homem, que se chama Israel, por preconceito contra judeus.
Nas mensagens, o denunciado deixou claro mais do que o seu desprezo pelos judeus: “todo desgraçado que apoia o estado ilegal de Israel deve morrer, como todo o judeu sionista”; “isto é sim um discurso de ódio mas tbm é uma forma de defesa do povo palestino’’; “cada dia que passa eu pego mais nojo desse maldito povo judeu, pra mim são apenas ratos imundos”; “isto já basta pra todos muçulmanos tomar as medidas corretas contra este povo sarnento”.
Denunciado pelo Ministério Público Federal, o homem se defendeu alegando que as mensagens foram publicadas numa discussão em torno de um vídeo de uma criança palestina e que ele não teve a intenção de ofender, apenas se defender dos ataques que sofreu durante o debate. Argumentou pela presença de “erro de proibição invencível” — quando o acusado não conhece a ilicitude de sua conduta nem possui potencial para conhecê-la, sendo, portanto, “desculpável”.
O juiz federal Cristiano Bauer Sica Diniz, da 2ª Vara Federal de Pelotas (RS), acolheu os argumentos do acusado e julgou improcedente a denúncia. Para ele, não ficou caracterizada, propriamente, uma conduta voltada para a incitação ao ódio e à discriminação contra o povo judeu.
“Considerando que a aplicação da norma penal deve ser pautada pelo princípio da subsidiariedade, não vislumbro a necessidade de sua incidência no caso concreto, onde a conduta, na ausência do elemento subjetivo exigido pela norma [dolo], restringe-se a considerações infelizes do réu sobre o povo judeu, sem ofensa concreta ao bem jurídico tutelado”, complementou na sentença.
Inconformado, o MPF recorreu ao TRF-4, que reformou a sentença. Segundo a 8ª Turma, a pouca instrução não exclui, por si só, a consciência da ilicitude, sobretudo quando a pessoa sabe que publicar declarações que incitam a discriminação e o ódio religioso ou racial é conduta não aceita pela sociedade.
O relator da apelação, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, entendeu a mensagem “todo desgraçado que apoia o estado ilegal de Israel deve morrer como todo judeu sionista” evidencia discurso de ódio, já que propõe e eliminação física dos judeus e dos apoiadores da existência de um estado para Israel.
“A índole de ofender é inarredável. O dolo está presente, porque ciente do caráter ilícito de sua conduta, ainda assim resolveu externar seu ódio e desprezo ao povo judeu e ao judaísmo”, afirmou o relator.
O desembargador lembrou que o preceito fundamental de liberdade de expressão não permite, em nenhuma hipótese o preconceito a raça ou religião, pois um direito individual não é salvaguarda para condutas ilícitas. Em função do grave perigo social do racismo e da discriminação, agregou o relator, é que o princípio da dignidade humana deve prevalecer sobre o direito da livre manifestação do pensamento.
Por fim, o relator entendeu que a defesa não conseguiu demonstrar o chamado “erro sobre a ilicitude do fato”, o que excluiria a culpabilidade do réu, como prevê o artigo 21 do Código Penal. Para ele, o relevante é a ciência da reprovabilidade da conduta. Afinal, “uma pessoa sem instrução sabe que não é conforme ao Direito publicar declarações que incitam a discriminação e preconceito religioso ou racial”.
O réu foi condenado a pena de dois anos de reclusão, mas não ficará preso. Na dosimetria, a pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos: prestação pecuniária no valor de um salário mínimo e prestação de serviços à comunidade (hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos assistenciais), à razão de uma hora por dia de condenação.