Terça-feira, 03 de dezembro de 2024
Por Filipo Studzinski Perotto | 19 de março de 2020
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Na quinta-feira passada (12) o presidente da França, Emmanuel Macron, anunciou a suspensão de aulas em escolas e universidades, e o incentivo à redução dos deslocamentos, incluindo o pedido para que empresas e órgão públicos facilitassem a possibilidade de teletrabalho dos funcionários quando possível. Com palavras calculadas, Macron tentava alertar sobre a gravidade da situação, e a necessidade de endurecer as medidas de prevenção, mas sem criar pânico, sobretudo porque quisera-se manter o primeiro turno das eleições municipais (sem surpresa, recorde de abstenção).
O pacote inclui acesso facilitado ao seguro-desemprego para quem tiver que ficar em casa com os filhos, e mecanismos de ajuda às empresas que serão afetadas pela crise econômica que vem de carona com a crise sanitária. Tudo suportado pelo Estado, em cifras bilionárias.
No dia seguinte, a sensação de muitas pessoas era de férias. Como fez um belo dia de sol, bares, restaurantes e praças estavam lotados. Alguns franceses mandavam fotos a amigos italianos das multidões nas ruas. Os vizinhos (já em quarentena) acharam pouca graça. A ficha foi caindo aos poucos. Uma semana antes, eram eles que estavam ainda despreocupados, antes de ver a curva de contaminados e de mortos subir de maneira catastrófica.
De fato, os números na França seguiam a Itália com uma semana de distância. Então segunda-feira (16/03) novo pronunciamento presidencial: como na Itália e na Espanha, todos em quarentena. Significa que cada família fica em casa por pelo menos duas semanas, saindo apenas em caso de necessidade: supermercado, farmácia, cuidar de crianças ou idosos, ou se você trabalha em algum serviço essencial e que não pode fazê-lo à distância. A maioria das industrias, comércios e serviços suspendeu suas atividades. A polícia foi mantida nas ruas para fiscalizar a boa realização desse “toque de recolher”. Todos os trabalhadores do setor médico e hospitalar preparam-se para viver semanas difíceis. Na Alsácia, nordeste da França, a situação já é de calamidade.
No começo dessa semana, o comportamento dos amedrontados precoces, que se escondiam e estocavam pacotes de arroz, massa e papel-higiênico em casa quando a doença ainda parecia longe, também se alastrou, a ponto de que hoje, as prateleiras dos supermercados estão parcialmente vazias, fazendo lembrar (por essa cena) a situação de países em véspera de guerra, ou de embargo econômico. Aqui, a velha geração, essa mesma que é a mais vulnerável ao vírus, lembra sempre do que passaram durante a segunda guerra mundial, e a comparação é, de certa maneira, inevitável.
Ajuda da ciência
A França aproveita o que se aprendeu com a experiência dos países que enfrentaram a epidemia antes (China, Itália, Coréia do Sul). Há consenso entre cientistas e especialistas em políticas de saúde de que é preciso reduzir a velocidade da propagação do vírus para que o número de pacientes graves não ultrapasse a capacidade do sistema de saúde local. Uma pequena parcela dos pacientes testados e confirmados até agora desenvolveram uma forma grave de infecção pulmonar em decorrência do covid-19, necessitando de ventilação mecânica para respirar. Como é muito contagioso (a transmissão ocorre pelo contato direto ou indireto entre pessoas, e o vírus pode ficar ativo no ambiente por horas ou mesmo dias), o número de casos fatais aumenta quando há muitos pacientes precisando de tratamento ao mesmo tempo.
Os cientistas estão trabalhando muito, no mundo todo, para tentar dar respostas rápidas à essa crise. Dois estudos franceses já estão ajudando a entender e enfrentar a doença. Um desses estudos sugere que pacientes que fizeram uso de anti-inflamatórios como o ibuprofeno tiveram a gravidade da infecção pulmonar acentuada. Outro, divulgado ontem, sugere que o tratamento com hidro-cloroquina (tratamento que também tem sido experimentado na China) promove uma drástica redução da carga viral nos pacientes testados apresentando o covid-19. Diversos países estão tentando desenvolver uma vacina para os corona-vírus (trata-se de uma corrida da indústria farmacêutica que, além de envolver muitas vidas, envolve muitos bilhões de dólares), mas resultados efetivos podem levar ainda muitos meses, ou mesmo anos.
E no Brasil…
A tendência é que a epidemia faça um grande estrago no Brasil também. A pesar de termos mais sol (o que reduz a quantidade de vírus no ar), temos uma cultura onde o contato físico é mais presente, comparado, por exemplo, à Ásia. As pessoas se abraçam, se beijam, se aproximam, se tocam muito, o que é muito acolhedor, mas aumenta o contágio.
Temos, infelizmente, um sistema de saúde sobrecarregado, e cheio de problemas, sobretudo para quem depende unicamente do SUS. Para piorar, temos um presidente que vai na contramão do resto do mundo, que desconfia da ciência, que acredita em conspirações comunistas, e de quem não se espera a tomada de medidas rápidas e muito menos acertadas. Suas últimas declarações e atitudes relativas à essa grave epidemia mundial soaram para alguns como “a gota que faltava” (mais uma) gerando mesmo um pedido de impeachment.
Descontraindo
O corona-vírus é uma “première” para muitas coisas. Por exemplo, nunca uma catástrofe sanitária mundial foi acompanhada de forma tão conectada, minuto a minuto. Nunca se falou tanto num vírus, que bateu diversos recordes nos “trend topics” da internet.
Difícil também de não pensar em tantos filmes sobre epidemias, e em como muitas delas estavam certas (exceto aquelas onde os doentes viram zumbis!). Nos lembra que a ficção cientifica fala muitas vezes de mundos possíveis, e que a pergunta não é “se?” mas “quando?”.
Na França, Itália e Espanha, não faltam vídeos e memes circulando nas redes sociais sobre o vírus e a quarentena forçada. A moda agora é os vizinhos tocarem instrumentos e cantarem juntos, mas pelas janelas, ou então partilharem nos grupos virtuais o “planning” de atividades durante o isolamento. A grande pergunta é se as pessoas que moram sozinhas nos minúsculos apartamentos de Paris vão conseguir manter a sanidade em isolamento. A mesma pergunta vale para casais ou famílias que deverão viver confinados e juntos, 24 horas por dia durante pelo menos duas semanas!
Ainda não será dessa vez o apocalipse, o covid-19 é muito menos mortal do que outras doenças que conhecemos (como o ebola, ou a tuberculose, por exemplo). Apesar do baque, a humanidade ainda vai se safar dessa vez. Mas vamos esperar que o mundo aprenda algumas lições desse terrível episódio. E com isso tudo, vamos ver se a gurizada pelo menos acerta a questão sobre vírus no próximo vestibular!
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.