Permanece o mistério no centro da crise do jato 737 Max da companhia Boeing: como uma empresa conhecida por seu design meticuloso deixou passar falhas de software aparentemente básicas que levaram a dois desastres aéreos graves. Engenheiros da Boeing dizem que um dos problemas foi a decisão da empresa de contratar terceirizados com salários mais baixos. As informações são da agência Bloomberg.
A fabricante de aviões americana e seus fornecedores têm recorrido cada vez mais a funcionários temporários que ganham apenas 9 dólares por hora para desenvolver e testar software, muitas vezes de países sem um profundo conhecimento sobre o setor aeroespacial, como a Índia.
Aeronave mais vendida da Boeing, o 737 MAX foi retirado de serviço em todo o mundo desde que um avião da Ethiopian Airlines caiu em março, cinco meses após a queda de outro, da Lion Air, na costa da Indonésia. Morreram 346 pessoas, no total, nos dois desastres.
O software do jato Max – marcado por problemas que podem manter os aviões fora de operação por mais tempo depois que reguladores dos EUA descobriram uma nova falha na semana passada – foi desenvolvido em um momento em que a Boeing passou a demitir engenheiros experientes e pressionava fornecedores para cortar custos.
Em escritórios em frente ao Boeing Field, em Seattle, recém-formados contratados pela desenvolvedora de software indiana HCL Technologies ocupavam várias mesas, disse Mark Rabin, ex-engenheiro de software da Boeing que trabalhou em um grupo de testes de voo para o modelo Max.
Os softwares da HCL foram projetados de acordo com as especificações estabelecidas pela Boeing. Ainda assim, Rabin classifica o método como “polêmico porque era muito menos eficiente do que se os engenheiros da Boeing escrevessem eles mesmos o código”, disse. Frequentemente, lembra, “era um vaivém na empresa, porque o código não era feito corretamente”.
A preferência da Boeing por empresas indianas parecia render outros dividendos. Nos últimos anos, ela venceu várias licitações de aviões militares e comerciais da Índia, como uma encomenda de US$ 22 bilhões em janeiro de 2017 para fornecer jatos para a SpiceJet. Essa encomenda incluía 100 jatos 737-Max 8 e foi a maior da Boeing para uma companhia aérea indiana, e um golpe em um país dominado pela Airbus.
Com base nos currículos postados nas redes sociais, os engenheiros da HCL ajudaram a desenvolver e testar o software de visualização de voo do Max, enquanto funcionários de outra empresa indiana, a Cyient, desenvolveram software para equipamentos de teste de voo.
Em um post, um funcionário da HCL resumiu suas funções com referência ao agora malfadado 737 Max, que iniciou testes de voo em janeiro de 2016: “Solução rápida encontrada para resolver o problema de produção, que resultou em não atrasar o teste de voo do 737-Max (cada teste de voo custará uma quantia muito grande para a Boeing)”.
A Boeing informou que a empresa não trabalha com engenheiros da HCL e da Cyient para o chamado Sistema de Aumento das Características de Manobra, que está relacionado ao acidente da Lion Air, em outubro de 2018, e ao desastre da Ethiopian Airlines, em março. A fabricante de aviões também disse que nenhuma das empresas teve relação com outro problema de software revelado após os desastres: uma luz de advertência da cabine de comando que não funcionava para a maioria dos clientes.
“A Boeing tem muitas décadas de experiência trabalhando com fornecedores/parceiros em todo o mundo”, disse um porta-voz da empresa. “Nosso foco principal é sempre garantir que nossos produtos e serviços sejam seguros, da mais alta qualidade e estejam em conformidade com todos os regulamentos aplicáveis.”
Em comunicado, a HCL disse que tem “um relacionamento comercial forte e de longa data com a Boeing Company e se orgulha do trabalho que faz para todos os clientes. No entanto, a HCL não comenta sobre o trabalho específico que faz para os clientes. A HCL não está associada a nenhum dos atuais problemas do 737 Max”.