Em um dia histórico para a política americana, a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprovou nesta quarta-feira (18) o impeachment do presidente Donald Trump. De maioria democrata, o plenário da Casa registrou 230 votos a favor e 197 contra a acusação de que o presidente cometeu abuso de poder ao pressionar a Ucrânia a investigar Joe Biden, seu principal adversário na eleição de 2020.
Dois democratas votaram pela permanência de Trump no cargo.
O presidente também é acusado de obstruir o Congresso ao atrapalhar as investigações depois que o episódio foi descoberto — mais de 216 deputados votaram contra o presidente nesta acusação, o mínimo necessário.
Eram necessários 216 votos para aprovar o impeachment em pelo menos uma das acusações — maioria simples dos 431 deputados em plenário — mas o resultado ainda não é suficiente para tirar Trump da Casa Branca.
Ao contrário do Brasil, onde o afastamento do chefe de governo acontece imediatamente após a chancela da Câmara, o presidente dos EUA só deixa o cargo depois do aval do Senado, hoje comandado por maioria republicana.
A partir de janeiro os 100 senadores, 53 deles republicanos, serão os jurados das acusações chanceladas pelos deputados, em sessões comandadas pelo presidente da Suprema Corte, John Roberts. O avanço do impeachment, porém, vai além dos trâmites legais. O processo é pano de fundo da eleição do próximo ano e tem servido de estratégia aos dois lados de um polarizado tabuleiro político.
O desfecho na Câmara, de maioria oposicionista, já era esperado em Washington, mas servirá de reforço à narrativa dos democratas de que Trump não tem mais condições de liderar o país. A expectativa da oposição é de que o passo concreto dado nesta quarta estimule o apoio popular em torno do tema e pressione os senadores a também votar pelo impeachment.
Mas o roteiro tem dois problemas fundamentais: o interesse dos eleitores americanos sobre o processo diminui a cada semana e o assunto parece ter se tornado apenas mais um elemento de disputa partidária. Além disso, os democratas sabem, o cenário é favorável a Trump no Senado. Os republicanos têm maioria na Casa e apostam nisso para enterrar de vez o processo contra o presidente.
Ali são necessários mais de dois terços dos votos. Ou seja, no mínimo 67 dos 100 senadores precisam votar contra Trump, possibilidade remota visto que o presidente goza de expressivo apoio dentro do seu partido e poucas defecções são esperadas.
Analistas e políticos americanos avaliam ainda que o impeachment se tornou mais um elemento da polarização em que já estão mergulhados os EUA, sem grande potencial de reflexo no voto do eleitorado em 2020.
Quem não gosta de Trump, dizem, usará a aprovação na Câmara como argumento de que ele abusou do cargo e deve sair, enquanto quem o defende tentará capitalizar a provável decisão dos senadores de rejeitar o processo.
Trump tem força em sua base eleitoral, energizada com a repetida retórica de que o presidente é vítima de uma caça às bruxas inventada pelos democratas e alimentada, na sua avaliação, pela imprensa americana.
Os bons índices da economia — com taxas de desemprego baixíssimas e crescimento do PIB (Produto Interno Bruno) em 2% mesmo com a crise global — também têm ajudado o discurso do republicano. As pesquisas mais recentes mostram a população divida quanto ao impeachment: cerca de 47% querem que Trump seja removido do cargo, enquanto 46% são contra o afastamento do presidente.
As eleições nos EUA, no entanto, não se baseiam no voto popular, mas sim no sistema indireto de Colégio Eleitoral.
Justamente com o temor de ver o impeachment parar no Senado e ter que lidar com o fracasso político às vésperas de 2020, a cúpula democrata resistiu por muito tempo em avançar com o processo no Congresso. No entanto, diante das informações de que Trump havia pressionado a Ucrânia a investigar Biden e o filho dele, Hunter, a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, precisou mudar de postura.
Em 24 de setembro, ela anunciou a abertura do processo de impeachment e deu início ao inquérito contra Trump.
A partir daí o Comitê de Inteligência da Câmara conduziu interrogatórios sobre as acusações com diplomatas, funcionários de alto escalão do governo e especialistas.
No fim de novembro, as audiências se tornaram públicas, em uma estratégia da oposição para angariar apoio popular à tese de que Trump atuou de forma irregular quando pressionou a Ucrânia.
Essa é a terceira vez na história americana que a Câmara aprova o impeachment de um presidente. Andrew Johnson, em 1868, e Bill Clinton, em 1998, sofreram impeachment na Câmara, mas foram absolvidos pelo Senado. Richard Nixon renunciou antes da votação da Câmara em 1974, ao perceber que perdia apoio entre seus próprios aliados e seria removido do comando da maior potência mundial.