A China ameaçou tomar medidas de retaliação se o Reino Unido persistir em seu plano de conceder cidadania a milhões de habitantes de Hong Kong, em resposta à nova lei de segurança que Pequim aprovou para a ex-colônia britânica. E alertou a Austrália contra seguir um “caminho errado”.
A China enfrenta uma crescente onda de críticas do Ocidente depois de promulgar uma legislação altamente controvertida na terça-feira (30) que, segundo seus críticos, põe fim ao modelo “um país, dois sistemas” adotado após a devolução, em 1997, que deveria vigorar até 2047.
“Se a parte britânica fizer mudanças unilaterais violará sua própria posição e compromissos, assim como o direito internacional e as regras básicas que regem as relações internacionais”, disse a Embaixada da China em Londres em comunicado em seu site.
“O Reino Unido prometeu explicitamente que não ofereceria tal acordo aos habitantes da cidade – e os reconheceria apenas como cidadãos chineses – como parte do acordo de entrega do território em 1997, disse o porta-voz do ministério, Zhao Lijian. A oferta seria uma “violação do direito internacional e das normas básicas que regem as relações internacionais”, disse Zhao, ao mesmo tempo em que alerta que a China pode adotar “contramedidas”.
Para o Reino Unido e vários outros países, a nova lei de segurança nacional viola a autonomia de Hong Kong. Por isso, um dia após a China impor a lei, diversos governos começaram a se mobilizar para oferecer aos residentes do território a oportunidade de se instalarem no exterior, enquanto lidam com a nova realidade de uma cidade fundamentalmente transformada pela restritiva legislação chinesa.
No primeiro dia da nova lei, a polícia de Hong Kong prendeu 370 pessoas, quando milhares foram às ruas para protestar. A lei reprime a secessão, a subversão, o terrorismo e o conluio com forças externas.
O Reino Unido confirmou que vai oferecer 3 milhões de vistos especiais para receber refugiados de Hong Kong, que tem 7,5 milhões de habitantes. Londres planeja modificar as cláusulas do “passaporte britânico no exterior” para facilitar a instalação de titulares e suas famílias no Reino Unido.
Cerca de 350 mil pessoas de Hong Kong têm esse passaporte, um número que dobrou desde o início dos protestos pró-democracia há um ano. Em princípio, 2,9 milhões de pessoas de Hong Kong, todas nascidas antes de 1997, teriam direito a esse documento.
O secretário de Defesa dos EUA, Mike Pompeo, disse que o governo Trump estuda medidas de concessão de vistos especiais que, segundo a mídia americana, podem chegar a 1 milhão. Legisladores do Congresso e do Senado americano também sugeriram uma legislação de “porto seguro” que exigiria que o Departamento de Estado designasse como refugiados humanitários os cidadãos de Hong Kong que organizaram os protestos ou forneceram assistência médica voluntária ou cobertura da mídia nos eventos. Essas pessoas poderiam chegar aos EUA sob a proteção dessa legislação e buscar residência permanente ou cidadania.
O Congresso americano aprovou uma lei que sanciona as autoridades chinesas que aplicam as novas regras de segurança contra Hong Kong, além dos bancos que cooperam com a violação da autonomia da ex-colônia britânica. O texto ainda deve ser promulgado pelo presidente, mas a China ameaçou com “fortes contramedidas” se a iniciativa se tornar lei.
O primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, confirmou que apresentará um projeto oferecendo refúgio aos residentes de Hong Kong, mas ainda está preparando os termos.
Em Taiwan, que não possui uma lei para refugiados e historicamente trata os requerentes de asilo da China continental com cuidado e caso a caso, o governo da presidente Tsai Ing-wen abriu na quarta-feira (1º) um novo escritório do governo para ajudar os dissidentes e empresas de Hong Kong que desejam migrar. No primeiro dia, o escritório recebeu 180 consultas de Hong Kong, muitas de pessoas interessadas em um programa de imigração de investimentos, disse Chiu Chui-cheng, vice-chefe do Conselho de Assuntos Internacionais de Taiwan.
As propostas de imigração permanecem tentativas em alguns casos, mas já estão abrindo uma nova brecha com Pequim, que atacou a perspectiva de outras jurisdições ajudando os cidadãos de Hong Kong a fugir em massa.
Primeira fuga
O primeiro a deixar Hong Kong foi o ativista pró-democracia Nathan Law. “Saí de Hong Kong e continuarei meu ativismo em nível internacional”, disse Law em uma breve mensagem em inglês enviada aos jornalistas, sem especificar seu paradeiro. “Dados os riscos, não revelarei detalhes do meu paradeiro e situação atual.”
Law é um dos fundadores do Demosisto, um partido pró-democracia que se dissolveu no início desta semana em resposta à lei de segurança. O partido foi uma fortaleza da democratização em Hong Kong, mas nunca defendeu publicamente a independência, como afirma o regime de Pequim.