Segunda-feira, 27 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 14 de outubro de 2023
Instado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o governo Lula prepara uma reforma administrativa. Caso prospere, será uma mudança importante e bem-vinda. A principal sustentação sindical do PT hoje é o funcionalismo público, o que define limites políticos para os avanços possíveis. Mas os diagnósticos sobre a baixa produtividade e o mau serviço prestados pelo Estado, em todos os níveis (União, Estados e municípios), são tão coincidentes sobre o motivo – baixa qualidade – e as formas de mudar a situação que mesmo medidas parciais na direção correta poderiam fazer a diferença.
A reforma administrativa proposta por Jair Bolsonaro, um presidente corporativista que não estava muito interessado no assunto, não previa mudanças para os atuais funcionários, de forma que suas eventuais virtudes só se manifestariam em décadas, caso fossem levadas a sério. O PT, por seu lado, considera tabu mexer na estabilidade do servidor público e parte dele considera a ênfase na avaliação do desempenho dos servidores na proposta da PEC 32/2020 muito “punitivista”.
Este, no entanto, é um dos pontos centrais que terão de ser resolvidos. A Constituição, em seu artigo 41, admite que servidores sejam demitidos por insuficiência de desempenho, cuja mecânica deveria ser disciplinada por lei complementar. Nenhum governo quis mexer nesse vespeiro, e a lei não foi feita até hoje. As avaliações periódicas que existem em vários órgãos públicos são pró-forma e aprovam todos. Sem avaliação verdadeira, é impossível haver incentivo na progressão da carreira, outro ponto essencial para que os salários possam estar associados ao mérito, e, com ele, venha o aumento de produtividade.
Ao contrário, com frequência as tentativas de progressão na carreira são burocráticas e típicas de castas. A simples permanência no serviço público, a cada cinco anos, daria direito a aumento de vencimentos. O tal do quinquênio, mesmo extinto, é uma reivindicação especialmente dos magistrados, que surge e ressurge de tempos em tempos. Outra forma de agradar a todos às custas dos cofres públicos é a jabuticaba de reajustar os aposentados pelos mesmos índices dos funcionários da ativa – com o detalhe de que mais de 95% dos aposentados federais o fizeram com o salário integral, ao contrário dos da iniciativa privada, que têm teto de R$ 7 mil. Há hoje tantos aposentados quanto servidores na ativa, cerca de 1 milhão de pessoas.
Da mesma forma e com a função de aumentar salários, cuja média é maior do que os da iniciativa privada, há os penduricalhos, responsáveis pelo fato de hoje 25 mil servidores receberem acima do teto do funcionalismo, de R$ 41,6 mil. Em projeto de reforma de 2016, foram identificados 39 deles. Os deputados decidiram manter 32 privilégios, mas a peça legislativa felizmente não prosperou.
A pirâmide de renda do funcionalismo público reflete a do país, com sua péssima distribuição. Há 70% dos servidores com salário de até R$ 5 mil (o dobro da média do setor privado), enquanto que o salário médio de um servidor do Judiciário é de R$ 18 mil, quase quatro vezes maior. A elite militar e a dos Três Poderes chega a ser tão bem remunerada quanto a de países ricos, enquanto servidores da saúde e educação, que atendem à população, recebem magros salários.
Os altos salários levam a folha de pagamento de União, Estados e municípios a 13,5% do PIB, montante superior à média da OCDE, de 9,3%, e à de países com amplas burocracias, como a França. Um problema a eles relacionado está o fato de que os servidores chegam logo ao topo das carreiras, em 13 anos em média, e estacionam. A reforma em elaboração no governo pretende ampliar essa progressão para 20 anos, com, talvez, diminuição do salário inicial.
Há uma Babel de carreiras no serviço público, cuja simplificação permitiria progressos importantes na qualidade do serviço prestado e na gestão de pessoal. Especialistas privados apontam três centenas delas na União, enquanto o secretário de Gestão e Inovação, Roberto Pojo, contabiliza 130. O problema disso é que muitas carreiras são afins, mas não idênticas, dificultando transferências para outras funções, criando excesso de funcionários em um canto e carência em outros – os primeiros em geral nas atividades-meio e o segundos, nas atividades-fins, isto é, os serviços prestados aos cidadãos. O governo crê que é possível racionalizar e reduzir o número de carreiras a 30 ou 40.
Há obstáculos para uma ampla reforma. Os primeiros são vontade política e capacidade de resistir às fortes reações corporativas. Outro, mais importante, é que o Judiciário, onde se concentram boa parte dos privilégios, tem autonomia constitucional e tem de ser convencido a aderir a propostas do Legislativo. Estados e municípios também estão nesse caso. As barreiras não são intransponíveis – houve reformas antes -, e medidas incrementais bem estudadas, como fim dos penduricalhos e um rearranjo geral das carreiras, apresentariam bons resultados a médio prazo.