A dança dos três corpos na física é uma metáfora fascinante da instabilidade intrínseca a sistemas complexos onde múltiplas forças interagem de maneira interdependente. No cosmos, três massas gravitacionais interligadas nunca encontram um equilíbrio fixo ou previsível; suas trajetórias são caóticas, determinadas por pequenas variações nas condições iniciais que se [amplificam de maneira inimaginável ao longo do tempo.
Não se trata de desordem aleatória, mas de uma coreografia regida pelas leis naturais – uma dança onde cada passo é inevitavelmente influenciado por todos os outros.
Essa lógica reverbera no sistema dos três poderes do Estado: Executivo, Legislativo e Judiciário. Esses poderes, concebidos para se equilibrar mutuamente, lembram corpos celestes que orbitam sob a influência gravitacional de cada um.
O Executivo busca centralizar sua força, o Legislativo tenta moldar e limitar os excessos, enquanto o Judiciário, como um árbitro, interpreta as regras e regula as dinâmicas do sistema. Contudo, assim como na física, a interação entre esses três elementos nunca alcança estabilidade perfeita. Qualquer mínima alteração – uma nova lei, uma decisão judicial ou um ato do Executivo – pode gerar efeitos em cascata que desestabilizam o sistema e levam a novas configurações de poder.
A instabilidade, tanto no cosmos quanto na política, não é defeito; é uma consequência inevitável da interdependência. Na física quântica, sistemas complexos exibem o fenômeno da emergência, no qual propriedades inesperadas surgem da interação entre partes individuais. O mesmo acontece na política: as decisões isoladas de cada poder criam dinâmicas que nenhum deles pode prever ou controlar totalmente. Pequenas mudanças podem desencadear reações desproporcionais, evidenciando que o equilíbrio não é um ponto fixo, mas um estado transitório, sempre à beira do caos.
Assim, essa analogia nos força a encarar um paradoxo fundamental: buscamos controle e previsibilidade, mas habitamos um universo – e uma sociedade – onde o caos é uma constante. A ideia de um sistema político perfeito, assim como a de um cosmos completamente previsível, é uma ilusão. Dessa forma, o máximo que podemos alcançar é mitigar os efeitos mais extremos do desequilíbrio, ajustando continuamente o sistema. No entanto, mesmo isso requer humildade para reconhecer que a perfeição não é uma opção.
No cosmos, o caos é uma lei inquebrável; no Estado, ele reflete nossas escolhas, ambições e limitações humanas. A sobrevivência de qualquer sistema, seja ele celestial ou político, depende da disposição de aceitar o caos como parte inerente da ordem. É essa aceitação que nos permite resistir à tentação de desistir do esforço de equilibrar as forças – mesmo sabendo que a estabilidade será sempre imperfeita e passageira. Afinal, a busca pelo equilíbrio, mais do que um destino, é a essência do que nos mantém em movimento, seja como corpos no universo ou como cidadãos em uma sociedade.
No final, essa dança caótica entre forças – seja na física ou na política – nos lembra que a liberdade, como o equilíbrio, é inerentemente instável. Em um sistema liberal, os três poderes foram projetados para conter os abusos uns dos outros, mas não para eliminar completamente os conflitos. Essa tensão constante é, na verdade, o preço da liberdade: um sistema onde ninguém possui controle absoluto e onde as diferenças se ajustam dentro de um campo de competição ordenada.
Então, a reflexão liberal é reconhecer que o equilíbrio perfeito entre poderes não deve ser o objetivo, pois ele seria o prelúdio da tirania. O que buscamos é um espaço onde as forças se contraponham o suficiente para impedir concentrações desproporcionais de poder, mas sem sufocar a liberdade individual. Assim como no universo, onde a interação entre corpos cria novas possibilidades, na política liberal, a tensão entre os poderes deve ser vista como uma oportunidade de evolução e progresso.
Cabe a cada cidadão compreender que a liberdade exige vigilância, esforço constante e aceitação das imperfeições do sistema. Afinal, em uma sociedade livre, não é a ausência de conflitos que nos fortalece, mas a capacidade de administrá-los sem sacrificar os princípios que nos unem. Como no cosmos, a sobrevivência depende menos de alcançar a estabilidade e mais de garantir que o movimento nunca pare – porque é no movimento que reside a essência da liberdade.
*Maria Eduarda Vargas – Diretora de Comunicação do Instituto Atlantos