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A difícil equação do equilíbrio fiscal

Como sabe qualquer cidadão que tenha contas a pagar, o controle do orçamento doméstico é fundamental, podendo se afirmar o mesmo para as contas públicas, com o agravante destas terem enorme repercussão sobre o conjunto da economia. Segundo a Confederação Nacional do Comércio – CNC, nada menos que 77.40% das famílias brasileiras estão endividadas, posição de setembro deste ano. Esse nível de endividamento está diretamente ligado ao custo do crédito, ainda em patamares muito altos, em grande parte devido à taxa Selic que, embora sinalize queda para os próximos meses, encontra-se em patamares proibitivos, especialmente considerando a projeção de inflação entre 4 e 5% a.a. para o corrente ano. E é exatamente no plano macroeconômico que se concentram as grandes dúvidas para 2024, e um dos aspectos mais críticos pela frente é a estimativa de um rombo fiscal da ordem de 1.2% do nosso PIB.

A burocracia estatal brasileira, particularmente aquela alojada no Tesouro Nacional e no Bacen é de reconhecida competência. Fosse somente por esse quesito, não haveria razões para maiores preocupações. Ocorre, porém, que equilibrar as contas públicas e garantir a higidez fiscal é uma combinação de técnica, orquestração política e sorte, esta última mais ligada aos chamados fatores exógenos, como uma guerra que interrompa algum tipo de fluxo do comércio, por exemplo. Já na esfera política, o atual Governo se verá na difícil situação de administrar as pressões por mais gastos, em ano de eleições municipais. Nesse contexto, a gestão da dívida pública passa a ter uma importância ainda mais crítica.

Tecnicamente, o Bacen utiliza a métrica Dívida Líquida do Setor Público/PIB, ao invés da Dívida Bruta do Governo Geral/PIB, na divulgação do estoque da dívida pública. Isso se dá por diversas razões. A primeira está relacionada à série histórica de dados disponíveis sobre DLSP (dívida líquida do setor público) que é bem mais antiga. A segunda, e mais importante, é porque o conceito de DLSP é mais fiel para demonstrar a capacidade de pagamento nacional, na medida em que deduz da dívida bruta as disponibilidades das estatais, como caixa, títulos a receber e reservas internacionais. Quanto maior a liquidez desses ativos, maior a solvência, e, por consequência, menor o risco-país. Vale sempre frisar que o risco-país é muito monitorado pelos investidores em suas alocações, razão pela qual a métrica da dívida pública funciona como um importante termômetro de avaliação de risco das economias emergentes.

No que se refere às projeções do Bacen para a nossa dívida pública, observa-se uma constante elevação até 2026. De fato, sai de 60% do PIB em 2023 para 67% ao final da série projetada. É bom ponderar que, caso o critério utilizado pelo Bacen fosse o da Dívida Bruta/PIB, em vez de 60%, a taxa estaria hoje próxima a 75%. Apesar de indesejável, tal estimativa parece não conter em si potencial inflacionário. Isso porque as projeções para o IPCA, no período em análise, apresentam tendência de queda. No mesmo sentido, as projeções para a Taxa Selic indicam a continuidade de flexibilização dos juros por parte da autoridade monetária. Embora preocupante, em um horizonte próximo, não se vislumbram abalos significativos na questão fiscal brasileira, com a sempre oportuna ressalva de que prever o futuro é tarefa por demais ingrata.

É importante também ressaltar que as projeções que o Banco Central tem feito não estão considerando ainda os impactos da reforma tributária, tampouco de uma possível e necessária reforma administrativa. Naturalmente, tais reformas, aprovadas e implementadas, repercutirão positivamente sobre as contas públicas e a economia como um todo. Assim, o término de 2023, mesmo positivo quanto aos aspectos macroeconômicos, não garante céu de brigadeiro para 2024, até porque, quer para famílias prudentes, quer para governos assoberbados, cuidar da saúde orçamentária é a tarefa que condiciona todas as demais e por isso mesmo deve merecer todo o zelo possível.

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