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Por Redação O Sul | 26 de janeiro de 2021
A despeito do feito científico inédito de conseguir desenvolver vários imunizantes seguros e eficazes contra o novo coronavírus em menos de um ano, o mundo não está conseguindo distribuí-los de forma justa. Mais de 56 milhões de pessoas já receberam alguma vacina contra a covid-19 em 51 países. Quase todas estão em nações ricas.
Na última segunda-feira (18), o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, afirmou que o mundo está à beira de uma “falência moral catastrófica” na distribuição de imunizantes. Ele lembrou que, enquanto os países ricos vacinam desde dezembro, na África a imunização ainda é uma realidade distante. A Guiné, por exemplo, recebeu apenas 25 doses de imunizante até agora. O Egito só iniciou a sua campanha no domingo (24), em 40 instalações de saúde.
Para Adhanom, não é justo que pessoas mais jovens e mais saudáveis nos países desenvolvidos sejam vacinadas antes de pessoas mais idosas e profissionais de saúde da linha de frente nos países pobres. Ele acusou ainda os laboratórios farmacêuticos de focarem países onde os lucros são maiores, em vez de priorizar os pacientes mais necessitados.
“Apenas 25 doses foram dadas a um dos países mais pobres do mundo; não 25 milhões, não 25 mil, apenas 25”, alertou. “O mundo está à beira de uma falência moral catastrófica. E o preço dessa falência será pago com vidas nos países mais pobres do mundo.” E ainda: “Enquanto as vacinas trazem esperança para alguns, elas aumentam o fosso da desigualdade entre os países ricos e os pobres”.
Acordos comerciais para a compra de vacinas firmados até agora somam mais de 8 bilhões de doses. Se essas unidades fossem distribuídas de forma justa, pelo menos metade da população mundial poderia receber as duas doses necessárias para a imunização.
“Esse era o cenário esperado; o de que não haveria vacina para toda a população do planeta. E m alguns casos, nem mesmo para os grupos de maior risco”, constatou a vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim), Isabella Ballalai. “A tomada de decisões precoce e a aposta em mais de um fornecedor foi maior entre os países ricos, que se mobilizaram com muita antecedência.”
A iniciativa Covax, de vacinação, que conta com o apoio da OMS, já conseguiu garantir a compra de dois bilhões de doses de vacinas contra a covid produzidas por cinco diferentes laboratórios. Há ainda a promessa de compra de mais um bilhão de doses. O objetivo é garantir até 20% das doses necessárias para cada país integrante da aliança. O Brasil aderiu à iniciativa, mas optou pela cota mínima, que prevê doses para apenas 10% de sua população.
Outra hipótese que chegou a ser levantada pela Índia na Organização Mundial do Comércio (OMC) foi a quebra de patentes de todas as vacinas para que elas pudessem ser produzidas em todo o mundo. Repudiada por países ricos, a proposta não foi aprovada.
“Do ponto de vista da Covax, que é na verdade um fundo de financiamento para os países que não se autofinanciam, quanto maior a adesão e os recursos, mas acessos e mais doses teríamos”, explica a professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) Cristiana Toscano. Ela é a única brasileira a integrar o Grupo Estratégico Internacional de Experts em Vacinas e Vacinação da OMS. “Sobre a quebra de patentes, é uma questão complicada do ponto de vista jurídico internacional, porque cada país tem um arcabouço legal diferente nesse aspecto.”
Acordos bilaterais
Os acordos fechados com antecedência pelos países ricos para garantir milhões de doses levou muitos países participantes da Covax a buscar também acordos bilaterais com laboratórios farmacêuticos. Esse movimento eleva os preços dos produtos no mercado e torna ainda mais difícil o acesso dos países mais pobres aos imunizantes.
A OMS afirma que muitos laboratórios estariam dando prioridade a obter a regulamentação necessária para o uso dos imunizantes junto aos países mais ricos (onde está o dinheiro) em detrimento da própria OMS. Segundo o diretor da entidade, a distribuição das doses relativas à Covax está prevista para começar em fevereiro, nos países mais necessitados. Para a América Latina, a previsão de entrega é março.
Entretanto, a falta de insumos pode atrasar a entrega dessas doses iniciais para março ou abril, segundo especialistas. O maior produtor de vacinas para o programa é o Instituto Serum, da Índia, que ainda não definiu datas para entrega dos insumos.