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Por Redação O Sul | 11 de agosto de 2024
De uma hora para outra, a pessoa começa a se sentir cansada, confusa, sonolenta e desorientada. À primeira vista, sintomas como esses sugerem que algo não vai bem no cérebro – e um quadro de demência parece ganhar terreno. No entanto, para uma parcela considerável de pacientes, esses incômodos estão relacionados a problemas em outra parte do corpo: o fígado.
Embora seja pouco conhecida, a encefalopatia hepática vem chamando a atenção de especialistas, que se preocupam com a falta de diagnóstico adequado da condição e uma probabilidade de aumento no número de acometidos nos próximos anos, por conta do crescimento da obesidade e de outras enfermidades que afetam o metabolismo.
Mas há uma boa notícia: essa causa de comprometimento cognitivo pode ser revertida com pequenos ajustes de rotina e o auxílio de alguns medicamentos. Um estudo publicado no final de junho no periódico The American Journal of Medicine revelou que a encefalopatia hepática pode ser mais frequente do que se imaginava.
Pesquisadores da Universidade Virginia Commonwealth e do Centro Médico de Veteranos de Richmond, nos Estados Unidos, analisaram dados compilados entre 2009 e 2019 de 68.807 pacientes que tinham diagnóstico de demência.
Os resultados de exames que avaliam a saúde do fígado (conhecidos pela sigla FIB-4) revelaram que 12,8% desses indivíduos tinham indicadores sugestivos de cirrose e potencialmente sofriam com encefalopatia hepática.
A porcentagem se assemelha à de um outro levantamento realizado pelo mesmo grupo de cientistas. Num trabalho com 177 mil veteranos americanos, cerca de 10% deles apresentaram alterações que indicavam disfunções no fígado.
“O FIB-4 é um método fácil de determinar o risco de uma doença hepática avançada. Pacientes com alterações nesse exame têm uma alta probabilidade de ter cirrose, quadro que não costuma apresentar muitos sintomas”, explica o médico Jasmohan Bajaj, um dos autores do estudo.
“E mais da metade dos pacientes com cirrose desenvolve alguma forma de encefalopatia hepática”, estima ele.
Bajaj destaca que ele mesmo acompanhou casos de indivíduos que haviam sido diagnosticados com algum tipo de demência (como o Alzheimer) ou doença de Parkinson, mas que na verdade tinham problemas no fígado.
Nesses episódios, bastou fazer o diagnóstico correto e iniciar o tratamento para que os sintomas neurológicos e cognitivos se resolvessem por completo.
Para a médica Sonia Brucki, coordenadora do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do Hospital das Clínicas de São Paulo, o fato de os especialistas americanos terem encontrado alterações sugestivas de encefalopatia hepática em quase 13% dos pacientes com demência chama a atenção.
“Até porque os exames de função hepática são de realização obrigatória na investigação de qualquer comprometimento cognitivo”, avalia ela.
Fígado em pane
O hepatologista Raymundo Paraná, professor da Universidade Federal da Bahia, explica que a encefalopatia hepática é uma intoxicação do cérebro por substâncias que deveriam ter sido metabolizadas pelo fígado.
Vale lembrar aqui que o fígado é fundamental em processos de digestão e também “quebra”, ou metaboliza, elementos tóxicos que podem ser prejudiciais para o resto do organismo. Essas moléculas são depois descartadas na urina ou nas fezes.
Quando o fígado está doente e é prejudicado por vírus (como os causadores das hepatites B e C), excesso de gordura, álcool ou outras substâncias danosas, ele deixa de funcionar como o esperado.
Com isso, certas moléculas (como a amônia, sobre a qual falaremos adiante) que deveriam ser filtradas e descartadas seguem no organismo e podem parar no cérebro — onde vão prejudicar a atenção, o raciocínio e a memória.
“Há casos em que o fluxo sanguíneo para o fígado está prejudicado. Com isso, o sangue desvia para outras áreas, como o esôfago e o estômago, e chega ao cérebro sem passar pelo tecido hepático”, detalha Paraná.
Saiba mais
O médico destaca que a encefalopatia hepática é um quadro relativamente comum, mas há uma certa dificuldade em detectar os casos subclínicos, com sintomas mais leves e que se confundem com outras enfermidades.
“Nos casos clássicos da doença, a família começa a perceber que o indivíduo apresenta letargia e confusão mental, tem alteração no ritmo do sono, perde controle de esfíncteres e sofre com tremores nas mãos”, lista Paraná.
“Esses são sinais muito indicativos da encefalopatia hepática”, complementa ele.
Brucki reforça que a encefalopatia hepática e a demência “clássica” apresentam algumas manifestações bem diferentes. As informações são do G1.