Quinta-feira, 24 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 1 de fevereiro de 2021
Como se já não bastasse o status de primeiro país a sair da crise gerada pela pandemia de coronavírus e o único que cresceu em 2020 (2,3%), a China também é a primeira nação a efetivamente cortar medidas emergenciais na economia. Nada mal para quem foi apontado como o epicentro mundial da Covid, há cerca de um ano.
A análise é do pesquisador sênior Livio Ribeiro, da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para ele, ao contrário de países como o Brasil, que discutem a retirada das intervenções com a economia ainda fragilizada, a China recua nessa injeção artificial de recursos no momento certo, quando a economia volta a caminhar sozinha.
Por trás desse processo, ressalta, estaria o plano de volta à trajetória de ajustes da economia iniciado ainda em 2012 e intensificado a partir do ano seguinte, com o início do governo Xi Jinping. “Em 2020 houve um buraco na estrada e esse buraco exigiu uma atuação emergencial”, avalia.
“E aí a China coloca dinheiro na mesa de novo, o que fez ressurgir alguns vetores de desequilíbrio mais estruturais que o país vem tentando resolver entre 2012 e 2019”, prossegue. “A dívida aumentou, voltou a aparecer risco imobiliário, mas o governo chinês já está tomando medidas.”
“Trata-se do primeiro país a começar a diminuir as medidas”, acrescentou. “E está fazendo isso porque, de fato, precisa de menos estímulos hoje, porque a economia já consegue andar sozinha.”
O especialista da FGV observa que, retomada a atividade em 2020, a China diminuiu as intervenções para voltar à trajetória de ajustes que iniciou após as taxas de expansão gigantescas e incentivadas que experimentou entre 2009 e 2012, na saída da crise financeira global de 2008:
“Aquilo gerou desequilíbrios grandes na economia, como um endividamento muito grande das corporações. Desde então, vem crescendo uma visão de que não se pode crescer a qualquer preço. Xi Jinping sempre teve uma visão muito clara sobre a necessidade de fazer a transição daquele modelo de crescimento”.
Ele cita a reorientação da economia chinesa “para dentro, deslocando-se do foco externo e em infraestrutura para o consumo do mercado interno”. Ainda conforme Ribeiro, esse movimento de volta à contenção de riscos indica fidelidade a esse planejamento de longo prazo.
Trajetória
Embora em 2020 a China tenha experimentado seu menor crescimento desde 1976, Ribeiro observa que o gigante asiático cresceu acima das expectativas de mercado, que apontavam avanço de 2,1% no ano.
“Houve queda importante da atividade no primeiro trimestre, depois eles já voltam a crescer e acelerar no segundo trimestre [quando a maior parte do mundo começava a sentir os efeitos da pandemia] e, no terceiro trimestre, já estava acima do nível pré-Covid”, prossegue.
Ele avalia que esse percurso se deve a cinco pontos, sendo o primeiro um aspecto cultural com impacto sanitário: a sociedade aceita mais o controle social, como o rastreamento de infectados pela rede celular e o isolamento compulsório, além do distanciamento natural entre as pessoas e o treinamento prévio que foi a epidemia de Sars no inicio dos anos 2000: “As pessoas usam máscara desde aquela época”.
Em seguida, diz Ribeiro, a China é dentre as 10 maiores economias do mundo, disparada, a que tem mais indústria do que serviço, o setor mais afetado na pandemia. Essa conformação da economia chinesa foi fundamental para a saída em “V” da crise.
Por fim, Ribeiro destaca a alta taxa de poupança da economia, em 45% e com cerca de metade disso nas mãos das famílias, o que evitou maiores retrocessos no nível de consumo e também permitiu ao governo manejar recursos com maior facilidade:
“Existe na China um subsídio cruzado entre os grandes poupadores e os setores que precisam desses investimentos. Há uma facilidade para o governo canalizar o dinheiro determinados setores da indústria, infraestrutura e construção civil. De início a construção voltou logo a andar e, depois, as manufaturas”.