A tríade que compôs a força-tarefa do mensalão na Procuradoria-Geral da República (PGR) estará de volta à cúpula do Ministério Público Federal (MPF) a partir desta segunda-feira para comandar a Operação Lava-Jato perante o Supremo Tribunal Federal (STF), onde estão os acusados com foro privilegiado.
Raquel Dodge, que assume como procuradora-geral, convocou os três procuradores que auxiliaram diretamente Antonio Fernando de Souza, o comandante do MPF durante o mensalão, para posições de destaque em seu gabinete. O procurador José Alfredo de Paula e Silva será o coordenador da Lava-Jato na PGR. Raquel Branquinho comandará a futura Secretaria de Função Penal, órgão a ser criado por Raquel Dodge especialmente para lidar com casos criminais de políticos e autoridades. Raquel Branquinho contará com a ajuda do procurador Alexandre Espinosa. Eles deverão assumir posições estratégicas na Lava-Jato.
José Alfredo, Raquel Branquinho e Espinosa formaram a espinha dorsal da condução do escândalo do mensalão pelo MPF, que teve início há 12 anos perante o STF. A atuação deles se caracterizou por extrema discrição e rigor na análise das provas e condução das investigações no tribunal. Os três participaram ativamente da confecção da denúncia contra os 40 réus do mensalão, que foi apresentada por Antonio Fernando em março de 2006 e se tornou a peça chave ao apontar a atuação de cada um dos acusados e os crimes cometidos.
Sob orientação do então procurador-geral eles definiram que cada alegação deveria ser acompanhada por uma prova citada em nota de rodapé. Com isso, afastaram várias argumentações da defesa de que o MPF estaria fazendo ilações genéricas.
O resultado é que 25 dos 37 réus que foram levados a julgamento terminaram condenados quando o STF julgou o caso, em 2012. O tribunal mais condenou do que absolveu. Com isso, o mensalão acabou sendo visto como um marco contra a impunidade na Justiça por boa parte da opinião pública.
Uma característica forte da tríade que comandará a Lava-Jato é o rigor na análise dos critérios penais que são utilizados pelo STF.
Na época do mensalão, os três procuradores estudaram minuciosamente o caso Collor, pois ele definiu, ainda na década de 1990, as interpretações que seriam aceitas pelo Supremo para o crime de corrupção. Os procuradores discutiram o caso Collor à exaustão antes do ingresso das principais petições do mensalão. José Alfredo manteve uma versão totalmente grifada do acórdão do STF sobre o caso Collor, que era continuamente relida.
Uma das orientações da tríade foi a de individualizar as condutas dos suspeitos. Quando o escândalo do mensalão começou havia a ideia generalizada de que seria uma compra de votos do PT para beneficiar projetos do governo no Congresso.
Os procuradores buscaram verificar ações de cada um dos envolvidos e saíram dessa ideia geral e politizada para a identificação da conduta de políticos, empresários e banqueiros no esquema. Com isso, o processo acabou envolvendo políticos de outros partidos, como PP, PMDB e o PL.
A discrição que tanto caracterizou os quatro anos em que Antonio Fernando comandou o MPF (2005 a 2009) é marca importante do grupo. Os nomes de José Alfredo, Branquinho e Espinosa foram muito pouco comentados ao longo das apurações do mensalão.
Ao levar a denúncia para o STF foi utilizada uma Kombi de maneira a transportar os documentos diretamente ao gabinete do então relator do caso, ministro Joaquim Barbosa, sem passar pelo protocolo geral do tribunal.
Não houve coletiva à imprensa nem alardes sobre o documento que implicava o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu (PT) e vários parlamentares. Demorou alguns dias para a denúncia vir a público.
O grupo foi responsável por algumas inovações importantes na condução de casos criminais perante o STF. A tríade obteve a primeira delação diante do Supremo. Na ocasião, eles conseguiram a colaboração premiada do operador do mercado financeiro Lúcio Bolonha Funaro – um passo importante para obter provas contra o PL do então deputado Valdemar Costa Neto.
Obter a confissão de Funaro não foi fácil. Ao perceber que o operador não estava contando tudo o que sabia um procurador da tríade ameaçou rasgar o acordo na frente dele. Funaro acabou cooperando e forneceu informações que renderam até mesmo investigações sobre outros assuntos.
Outra inovação foi o uso de acordos de cooperação jurídica internacional para identificar contas suspeitas no exterior. A prática foi utilizada para chegar até a conta do publicitário Duda Mendonça no exterior. Duda acabou absolvido ao pagar as pendências fiscais que tinha antes mesmo do julgamento do mensalão. Mas os procuradores conseguiram provas sobre o caminho do dinheiro que foram importantes ao longo do processo.