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Por Redação O Sul | 23 de abril de 2016
As jornadas duravam meses. O percurso era demorado e cansativo. Os negros, vindos da África, viajavam abarrotados dentro dos porões dos navios, passavam frio, fome e sede. Por causa das condições de transporte, muitos morriam e acabavam sendo lançados ao mar. Após o desembarque, eles eram vendidos para os fazendeiros e os senhores de engenho, que os tratavam de maneira selvagem, brutal e desumana.
No Brasil, a escravidão teve início com a produção de açúcar e a extração de ouro durante a primeira metade do século XVI. Após a lei de Abolição da Escravatura em 1888, assinada pela Princesa Isabel, 127 anos se passaram e ainda encontramos pessoas que são submetidas a situações degradantes contra a vontade, sofrendo diariamente danos físicos e psicológicos.
Se, por um lado, não existem mais correntes, senzalas e comercialização de negros, por outro, as condições indignas vividas por trabalhadores são tratadas pela lei como “escravidão contemporânea”. A cada dia, mais de quatro pessoas são libertadas no País em situações de cerceamento de liberdade, servidão por dívida, condições degradantes de trabalho e jornada exaustiva.
Previsto no Artigo 149 do Código Penal Brasileiro, o crime de trabalho análogo ao de escravo é punido com reclusão de dois a oito anos e multa. A lei define ainda que “a pena é aumentada de metade, se o crime é cometido contra criança ou adolescente”. Há casos em que os trabalhadores sofrem ameaça de morte e castigos físicos. Os alojamentos onde ficam não possuem saneamento básico e iluminação. Sem acesso à água potável, a fonte costuma ser a mesma para cozinhar, beber, tomar banho e lavar as ferramentas utilizadas no serviço.
Em 2004, o governo brasileiro reconheceu, diante das Nações Unidas, a existência da prática de trabalho escravo no País. A estimativa, à época, era de 25 mil escravos em todo território nacional. Hoje, segundo o Ministério do Trabalho, é impossível saber quantos existem.
Desde 1995, o Gertraf (Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado), idealizado no governo FHC, foi responsável por resgatar mais de 50 mil trabalhadores em condições degradantes de trabalho, submetidos a jornadas exaustivas e abusivas. As libertações ocorrem após denúncias feitas pelos trabalhadores.
O GEFM (Grupo Especial de Fiscalização Móvel), composto pelos auditores-fiscais, procuradores do trabalho e policiais federais, completou 20 anos de combate ao trabalho escravo contemporâneo em 2015. De acordo com a OIT (Organização Internacional do Trabalho), mais de 12 milhões de pessoas são vítimas do trabalho escravo no mundo. O Brasil foi o último país do Ocidente a abolir a escravidão.
Dados do Ministério do Trabalho e Previdência Social mostram que, em 2015, 1.010 trabalhadores foram resgatados em todo País. No mesmo ano, as libertações no meio urbano foram maiores do que no meio rural. Em um total de 140 operações, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel libertou 12 trabalhadores com idade inferior a 16 anos e 28 pessoas encontrados tinham entre 16 e 18 anos. Havia ainda 65 imigrantes vindos da Bolívia, China, Peru e Haiti.
Apesar de estar normalmente associado ao campo, os casos de trabalho análogo ao de escravo têm sido cada vez mais comum nas grandes cidades. Minas Gerais liderou a lista com 432 vítimas – o que representa 43% de todos os casos no Brasil. O Maranhão teve 107 libertações, o Rio de Janeiro contabilizou 87, o Ceará somou 70 resgates e São Paulo totalizou 66 autuações.
Em 2015, o setor onde mais trabalhadores foram encontrados sob condições degradantes foi o da extração de minério, com 313 resgates no ano. A construção civil aparece em segundo lugar, com cerca de 187 trabalhadores. Desde 1995, segundo o Ministério do Trabalho, 41% dos casos de violação de direitos humanos ocorreram na construção civil.
O Congresso Nacional aprovou, em 2014, a expropriação de terra onde houver flagrante de trabalhadores em situação análoga à escravidão. Depois de tramitar por quinze anos, a proposta de emenda à Constituição do Trabalho Escravo determina que os proprietários devem destinar suas terras à reforma agrária ou a programas de habitação popular.
A PEC alterou o artigo 243. Com a nova regra, todos os bens apreendidos em decorrência da exploração do trabalho escravo serão confiscados e destinados a um fundo especial. (Régis de Oliveira Júnior)