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Redação O Sul
| 27 de agosto de 2020
Engana-se quem imaginou que os obstáculos para uma melhora na relação entre Brasil e Argentina eram apenas ideológicos. Esse foi o aspecto que predominou e, de fato, atrapalhou o vínculo, na campanha eleitoral argentina de 2019 e no começo do governo do peronista Alberto Fernández. Mas surgiram outras dificuldades, acentuadas pela dramática crise econômica provocada pela pandemia. A economia argentina pode sofrer retração superior a 10% este ano, e para enfrentar este cenário sombrio, a Casa Rosada está apelando a mecanismos de controle do comércio exterior. Mecanismos, digamos, “non sanctos”.
Seria algo como “exporte pela Argentina sempre que existir como contrapartida um plano de investimento local satisfatório”. A metodologia está prejudicando principalmente o setor automobilístico brasileiro. O plano do governo argentino, explicou o jornalista Horacio Alonso, do “Ambito Financeiro”, é autorizar a entrada de produtos no país por um sistema que leve em consideração variáveis como níveis de investimento e de participação no mercado. Ou seja, um sistema de cotas condicionadas à injeção de recursos no país.
A ferramenta argentina para limitar o comércio são as licenças não-automáticas de importação. De acordo com a Organização Mundial de Comércio (OMC), as licenças devem ser liberadas num prazo máximo de 60 dias. Empresas do setor automobilístico denunciaram ao governo brasileiro demoras de mais de 90 dias, mas o acordo bilateral para comércio de veículos impõe um prazo de 10 dias. Além de ilegal, essa metodologia é vista pelo governo brasileiro como uma tentativa de atrair investimentos, para depois exportar uma eventual produção para o Brasil com o aproveitamento das vantagens do Mercosul. Por este raciocínio, cogitam-se todas as opções. Até mesmo pular fora do acordo automotivo bilateral.
Assuntos sensíveis como Lula e Venezuela saíram da agenda, mas surgiram outros e estão causando muito mal-estar em Brasília. Nada como um dia depois do outro nas relações internacionais.
Exportações brasileiras
As primeiras queixas começaram a circular no começo do ano, pouco depois da posse do presidente da Argentina, Alberto Fernández. Nas últimas semanas se intensificaram e levaram a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) a informar o governo brasileiro sobre a demora, cada vez mais frequente, do governo argentino em liberar a entrada de importações, descumprindo regras da Organização Mundial de Comércio (OMC) e o acordo bilateral selado entre ambos países.
Atualmente, informaram fontes do governo Jair Bolsonaro, aproximadamente US$ 100 milhões em exportações brasileiras do setor estão paradas na fronteira esperando que a Casa Rosada aprove as chamadas licenças não automáticas de importação.
De acordo com a OMC, o prazo máximo para dar sinal verde às licenças não automáticas é de 60 dias. Já o entendimento entre os dois governos, que prevê a liberalização total do comércio de veículos até junho de 2029, estabelece um limite de dez dias. Nos últimos meses, com a economia argentina mergulhada numa crise profunda, com previsão de queda do PIB de até 10%, algumas demoras superaram 90 dias.
“Várias montadoras estão com problemas. Entendemos as dificuldades na Argentina pela escassez de divisas, mas acordos são acordos”, disse o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes.
Segundo ele, essa escassez de divisas no país vizinho (hoje os argentinos podem comprar apenas US$ 200 mensais e existem rumores de que o limite poderia ser reduzido) acabou criando um sistema de comércio administrado.
As exportações do setor representaram 4,3% do total das vendas brasileiras no exterior em 2019. Nesse ano, as exportações para o mercado argentino totalizaram 216.554 unidades, por um total de US$ 2,4 bilhões. No primeiro trimestre de 2020, foram embarcadas 50.777 unidades, o que representa uma queda de 19% frente ao mesmo período do ano anterior.
Na esteira das medidas que causaram polêmica na Argentina, como uma tentativa frustrada de expropriar uma empresa do setor agrícola e, mais recentemente, o anúncio do congelamento de tarifas do setor de comunicações até dezembro de 2020, existe preocupação no governo brasileiro com uma tendência da Argentina ao protecionismo comercial.
Paralelamente, algumas montadoras teriam sofrido pressões para obter a liberação de licenças em troca de promessas de investimento na Argentina, atitudes que lembraram, segundo fontes, os anos mais difíceis de convivência entre os dois países durante os governos kirchneristas (2003-2015).