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A estratégia do governo Lula para reverter a queda de popularidade enfrenta dois desafios

Aposta em programas sociais pode ser insuficiente para Lula em 2026. (Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

A estratégia do governo Lula para reverter a queda de popularidade – que passa pela reformulação da comunicação e a aprovação de políticas sociais e econômicas, como a liberação de recursos do programa Pé-de-Meia – enfrenta dois desafios centrais: o voto econômico já não garante o mesmo apoio de antes e a relação entre eleitorado e governante passou por mudanças estruturais.

O cenário, avaliaram cientistas políticos, reflete transformações profundas, como a mudança na percepção do eleitorado, que agora vê políticas assistencialistas como direitos adquiridos; a polarização política calcificada, que tornou a economia um campo de disputa ideológica; e a ausência de uma agenda política clara no terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Na semana passada, pesquisa da Genial/Quaest mostrou que a desaprovação de Lula superou a marca de 60% nos três maiores colégios eleitorais do País – São Paulo, Minas e Rio –, além de uma escalada negativa no Nordeste, reduto petista. Desde dezembro, levantamentos do mesmo instituto e de outros, como o Datafolha, indicam que a insatisfação com o governo tem avançado até mesmo entre o núcleo duro do eleitorado lulista: os mais pobres, as mulheres, os católicos e os que se declaram pretos.

Os índices captados pela pesquisa foram acompanhados por aumento da inflação, que pressionou os preços dos alimentos e reduziu o poder de compra do brasileiro, além de uma sucessão de falhas na comunicação oficial do Palácio do Planalto, como a polêmica em torno do monitoramento das transações do Pix.

A estratégia do governo tem sido avaliar os sintomas da queda de popularidade sob uma ótica conjuntural, respondendo à crise tanto com políticas assistencialistas e econômicas, como o reajuste do salário mínimo, quanto com ajustes na comunicação, por meio da troca de comando na Secretaria de Comunicação da Presidência, observou o cientista político Antonio Lavareda. Para Lavareda, embora a avaliação seja, em tese, correta, ela desconsidera mudanças estruturais na relação entre governo e eleitorado.

“O problema é que o governo trata as dificuldades como algo momentâneo e apenas circunstancial, mas não percebe que a dinâmica mudou. Mesmo que a economia melhore, a relação entre governo e eleitor não será automaticamente restaurada, porque as mudanças no comportamento eleitoral são estruturais e vão além do impacto conjuntural da inflação e da perda de poder de compra”, disse o cientista político.

Programas sociais como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida e ProUni, que antes se traduziam em apoio eleitoral quase automático, hoje não garantem mais esse efeito: os eleitores se tornaram mais críticos e menos fiéis, enxergando esses benefícios como direitos adquiridos – tanto que foram mantidos por governos antipetistas – e não mais como favores governamentais que demandam retribuição nas urnas, de acordo com Lavareda.

Além da resposta conjuntural insuficiente, o governo enfrenta outro problema: a falta de agenda política clara e mobilizadora, com um eixo estruturante que galvanize apoio, redefina o lulismo e restaure seu apelo eleitoral, apontou o cientista político. Em Lula 1 e Lula 2, o petista conseguiu estabelecer pautas marcantes, como o combate à fome e a ampliação de direitos sociais, consolidando sua identidade política.

No entanto, ao definir que a principal missão de Lula 3 seria reeditar sucessos dos mandatos anteriores, o presidente criou um dilema para si mesmo: seus eleitores passaram a enxergar os programas sociais e benefícios como obrigação, e não como uma conquista que gera fidelidade. Dessa forma, disse Lavareda, não entregá-los pode resultar em punição nas urnas, mas mantê-los não garante, necessariamente, retorno político, fragilizando a base de apoio e dificultando a mobilização eleitoral para 2026.

“O terceiro mandato de Lula ainda não conseguiu definir um projeto político capaz de mobilizar o eleitorado para além das medidas econômicas e assistencialistas. Falta um eixo. Não basta apenas lançar políticas; é necessário um direcionamento que dê sentido ao conjunto das ações governamentais. Mudar a comunicação e fazer novos anúncios não resolve. Qual é o propósito deste governo? Não há. Aí está o problema”, destacou.

A calcificação da polarização política é outro fator que altera a lógica do voto econômico e dificulta a conversão de políticas em apoio eleitoral, afirmou o cientista político Felipe Nunes. Se antes o eleitor avaliava o governo com base em temas estruturantes, como o papel do Estado na economia, agora as escolhas estão cada vez mais polarizadas e influenciadas por valores e visões de mundo, com pautas culturais e identitárias ganhando espaço no debate político – o que reduz o peso das discussões econômicas e torna a construção de consensos ainda mais difícil.

“Até 2018, o voto, apesar de personalista, era mobilizado a partir de uma disputa entre esquerda e direita, ou entre centro-esquerda e centro-direita, mas em torno da disputa sobre o papel do Estado na economia e focado numa agenda de política pública. Quando chega em 2018, deixamos de discutir o papel do Estado na economia e passamos a discutir valores, a discutir visões de mundo. Passamos a buscar não mais o que pensam essas pessoas no que diz respeito à agenda econômica e política, mas a querer identificar quais são os valores dessas lideranças políticas”, declarou Nunes. (Estadão Conteúdo)

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