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Por Redação O Sul | 24 de setembro de 2019
Paulo Hugo Costa Plautino Barbosa foi preso em flagrante no final de outubro de 2018, em uma comunidade carente de São Gonçalo (RJ), com drogas e munições. Após buscas na área, os policiais também localizaram uma metralhadora, convertendo o flagrante em prisão preventiva. Ele ficou preso até 9 de abril, à espera de um julgamento que nunca ocorreu. Aos 19 anos, Paulo Hugo morreu vítima de meningite meningocócica que contraiu na cadeia pública Paulo Roberto Rocha, no Complexo de Gericinó. No episódio, também morreram outros três presos.
No mundo, a maior incidência de morte entre os jovens é a violência. Mas, quando este mesmo jovem é preso e entregue ao sistema penitenciário no Brasil, a realidade é outra: a maioria morre por doenças tratáveis. Devido à superlotação, às péssimas condições de higiene, ao excesso de umidade e à falta de ventilação, as mortes por doença representaram 61% das 1.119 registradas nas prisões do país no primeiro semestre de 2017, último período com registros nacionais.
O Brasil tinha, na época, 24.633 presos diagnosticados com doenças transmitidas ou agravadas nas celas: 7.211 com HIV, 6.591 com tuberculose, 4.946 com sífilis, 2.683 com hepatite e 3.232 diagnosticados com outras enfermidades. No caso da tuberculose, a incidência dentro da cadeia é 4.500% maior do que fora dela. De cada 100 mil presos, 900 têm a doença. No país, a taxa é de 20 por 100 mil habitantes.
“A tuberculose acaba sendo uma segunda pena para grande parte dos presos que adoecem na prisão. Para alguns, acaba sendo uma pena de morte”, avalia a médica Alexandra Sánchez, da Fiocruz, coordenadora de uma pesquisa sobre mais de 460 óbitos em presídios no estado do Rio.
O estudo da Fiocruz também verificou que, diferentemente do que se imaginava, os presos não trazem a doença para dentro das unidades. São contaminados no cárcere:
“A gente sabe que a tuberculose é, de longe, a doença mais potencialmente grave no sistema prisional. Muita gente pensa que as pessoas adoecem de tuberculose na rua e que trazem a doença para a prisão. Mas o estudo mostrou que isto não é verdade. É a prisão que amplifica a transmissão e favorece o adoecimento dentro da cadeia”, concluiu Alexandra Sánchez.
A doença também foi a pena do ex-marido de Flávia Torres. Preso por tráfico de drogas, ele não ficou nem um ano na cadeia. Aos 28 anos, morreu vítima de tuberculose.
“A gente só via ele perdendo quilos”, disse Flávia, que soube da morte do ex-marido por familiares. “O pai do meu filho pegou essa doença lá dentro, em Bangu 4, em 2016. O lugar que eles vivem lá é um horror, cheio de mofo e um monte de gente na mesma cela. As pessoas lá são tratadas que nem bicho.”
Flávia conta que ele ficou mal e numa noite e foi levado para o hospital do presídio. Logo foi diagnosticada a tuberculose. O que disseram a ela é que ele teria ido ajudar um amigo que estava muito mal e acabou contraindo a doença.
Para a arquiteta Suzann Cordeiro, especialista em arquitetura prisional, as prisões brasileiras são verdadeiros hospedeiros de doenças, uma vez que não são projetadas para funcionarem com luz e ventilação natural, e são feitas sem se levar em conta os aspetos climáticos de suas regiões:
“Dentro de uma cela com oito pessoas, sendo uma delas doente, se o local não tiver a ventilação adequada, não tiver o isolamento adequado, a possibilidade de todos se contaminarem e contraírem a doença é altíssima”, segundo Suzzan, estas instalações atentam contra a saúde de presos e de agentes penitenciários.
Subcoodenador criminal da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Ricardo André Souza aponta a carência de profissionais da área de saúde como um dos grandes gargalos do sistema penitenciário:
“Geralmente, o atendimento médico se dá uma vez ou no máximo duas vezes por semana. Há carência de assistentes sociais, de dentistas, de médicos, de psiquiatras e de psicólogos. Toda essa gama de carência que você tem já na saúde pública geral é exponencializada quando se trata do sistema carcerário. A necessidade de profissionais não acompanhou a explosão do crescimento carcerário, da população carcerária, e aí você tem esse caldo em que as pessoas morrem por ausência de tratamento médico.”