A Google Brasil conseguiu se livrar, na Justiça, de exigências que estavam sendo feitas pelo MPF (Ministério Público Federal) para a veiculação de conteúdos direcionados às crianças. O órgão pleiteava há mais de um ano, por meio de uma ação civil pública, que a empresa passasse a ser obrigada a classificar como “abusivo” ou “proibido” os vídeos publicados no YouTube em que há merchandising ou promoção de produtos voltados ao público infantil.
Havia, no processo, dois pedidos: um deles para que constasse aviso de alerta em cada um desses vídeos e o outro para que tais publicações fossem incluídas na página de denúncia de conteúdo impróprio.
Uma das principais alegações do MPF – e que serviu de base aos pedidos à Justiça – é a de que essas práticas de publicidade são consideradas abusivas pela Resolução 163 do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente). Há citação ainda, no processo, a dois artigos do Código de Defesa do Consumidor, o 37 e o 39, que tratam sobre a deficiência de julgamento e experiência da criança.
O juiz que analisou o caso, Miguel Angelo Alvarenga Lopes, da 10ª Vara Federal de Belo Horizonte, considerou, no entanto, que deveria ser aplicada a Lei nº 12.965/2014 – o Marco Civil da Internet. “É sob esse regime jurídico que a empresa ré [Google] exerce as suas atividades no Brasil”, afirma na decisão.
Entre os princípios básicos da legislação, segundo o magistrado, estão as garantias de expressão, comunicação e manifestação do pensamento. Ele destaca, na sentença, que o artigo 19, para assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, define que o provedor de aplicações na internet só poderia interferir em conteúdos gerados por terceiros depois de ordem judicial específica para isso.
“A empresa não tem a obrigação legal de realizar o controle prévio sobre vídeos postados por seus usuários”, diz o juiz na sentença. Cabe recurso da decisão.
Advogados da área afirmam que desde a publicação da resolução do Conanda – a mesma usada pelo MPF como base aos pedidos envolvendo a Google – ficaram mais frequentes as ações e aplicação de multas por campanhas dirigidas ao público infantil. Tanto por iniciativa do Ministério Público, como dos Procons e entidades que atuam pela proteção das crianças e dos adolescentes.
Já foram alvos, por exemplo, campanhas da gelatina Royal (a empresa foi multada em quase R$ 500 mil por um concurso em que as crianças, para concorrer a brindes, precisavam enviar vídeo imitando personagens do desenho Bob Esponja) e também as redes McDonald’s e Habib’s (multadas, respectivamente, em R$ 3,2 milhões e R$ 2,4 milhões pela veiculação de publicidade de alimentos que vinham acompanhados de brinquedos colecionáveis).
No Judiciário, apesar de não haver ainda entendimento pacificado sobre o tema, as empresas também estão em desvantagem. O caso de maior repercussão para o mercado envolve a Bauducco. Foi o primeiro sobre a ser julgado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça). A 2ª Turma, em março de 2016, analisou uma campanha que envolvia a aquisição, pelo público infantil, de um relógio do personagem Shrek. Para conseguir o “brinde”, a criança precisava apresentar cinco embalagens de um biscoito da marca e pagar R$ 5.
Os ministros consideraram a campanha abusiva. As discussões, nesse caso, envolveram temas como venda casada e incentivo ao consumo de açúcar. “A autoridade para decidir sobre a dieta dos filhos é dos pais”, diz na decisão o ministro Herman Benjamin.