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Letícia Soster Arrosi A guerra como fator de renegociação de contratos

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O mundo passa por dias difíceis, diante de guerras que sempre trazem, além de muito sofrimento, instabilidades políticas e econômicas. Tidos como eventos extraordinários e inesperados, os conflitos de enormes proporções fogem à álea normal de qualquer contrato. Tanto é que vimos artistas e turistas tomando medidas urgentes, cancelando os seus compromissos diante da situação imprevisível em Israel.

A “álea normal” são os riscos normalmente previsíveis em determinada espécie contratual e alocados através das cláusulas, de acordo com as características do negócio entre os contratantes. Pode ser gerida de duas formas entre os contratantes: positiva ou negativamente.

É gerida de forma positiva quando ocorre a distribuição dos ganhos e das perdas oriundas do risco no momento da celebração do contrato. Os contratos típicos, ou seja, aqueles cujas regras estão na lei, já estabelecem certa alocação das áleas normais. Mas essa alocação algumas vezes não atende às vontades das partes envolvidas e, por isso, eventualmente a gestão positiva da álea normal dá origem a contratos atípicos, cujas regras não estão na lei, mas são criadas pelos próprios contratantes.

O risco econômico não alocado pelo contrato, seja negativa ou positivamente, será considerado imprevisível e extraordinário. Este risco não alocado deve extrapolar a normalidade do conteúdo e da função do contrato. Assim, as partes poderão remediar a situação através da resolução ou revisão contratual por onerosidade excessiva.

Se o risco econômico que se insere na previsibilidade do contrato for simplesmente mal gerido no clausulado contratual, sendo atribuídas mais perdas a uma das partes ou eventual desproporcionalidade da prestação, não há ensejo da resolução ou revisão do contrato. A onerosidade, neste caso, advém do infortúnio de ter ocorrido fato objeto de risco imprevisto pelas partes no momento da celebração do contrato e não no fato de ter sido alocado de forma equivocada a ponto de prejudicar um dos agentes econômicos no futuro quando de sua superveniência.

Hart e Moore afirmam que o contrato é incompleto quando as partes desejam incluir cláusulas sobre determinadas contingências, mas não o fazem porque é impossível prever naquele momento a situação futura, o “estado da natureza” superveniente, por ser incerto, ou porque é muito caro especificar tal contexto [1].

Nesse sentido, Steven Shavell diz que a incompletude contratual é oriunda de contingências (como uma guerra com terroristas), as quais podem ser difíceis para as partes verificarem, o que tornaria inviável a inclusão no contrato de uma cláusula relacionada a tal situação, sendo mais plausível elaborar uma cláusula de renegociação ou até mesmo estabelecer a possibilidade de inadimplemento mediante indenização por perdas e danos [2].

Quanto às lacunas contratuais, apesar de o contrato incompleto não apresentar seu clausulado “detalhado plano de ação e de riscos, ele define, por exemplo, objetivos, regras gerais e modos de solução de conflitos”. Embora os tribunais busquem cada vez mais essa universalização para a interpretação dos contratos, a forma mais clássica de solução da incompletude contratual é por meio da renegociação entre as partes, ou seja, através de um novo acordo.

No momento de celebração dos contratos, as partes podem determinar que eventuais lacunas possam ser preenchidas por um terceiro (um mediador, um perito ou por um árbitro) ou por uma delas. Alguns autores entendem que se deve distinguir entre a função de completude do contrato da solução de conflitos porque na complementação do contrato o terceiro (o árbitro para o caso de cláusula de arbitragem, ou o juiz) não deverá proferir decisão sobre qual parte tem razão, mas apenas preencher a lacuna [3] e deixar para as partes resolverem o prosseguimento do negócio a partir da interpretação dada àquela incompletude anteriormente passível de apreciação pelo terceiro alheio ao contrato.

Nos contratos em que não existir cláusula especificando perdas e danos oriundas de sua rescisão antecipada (ou seja, antes do prazo previsto no contrato), constando tão somente a possibilidade de rescisão mediante notificação à outra parte, a superveniência de uma guerra é causa suficiente para que haja motivo para a sua ruptura, sem dar ensejo à indenização estabelecida.

Já nos contratos em que existir cláusula de perdas e danos oriundos de sua resolução mesmo motivada, é necessário requerer judicialmente a sua resolução sem incidência do pagamento das perdas e danos, nos moldes do art. 478 do Código Civil.

Letícia Soster Arrosi, Doutora em Direito Comercial com ênfase em Propriedade Intelectual pela USP, mestre em Direito Privado com ênfase em contratos e especialista em processo civil pela UFRGS, bacharel em ciências jurídicas e sociais pela PUCRS, advogada atuante em resolução de disputas e consultas em Direito da Moda, Direito do Entretenimento, Direito Civil, Direito Empresarial e Propriedade Intelectual

Notas:

[1] HART, Oliver; MOORE, John Hardman. Foundations of Incomplete Contracts, Disponível em <http://eprints.lse.ac.uk/19354/1/Foundations_of_Incomplete_Contracts.pdf>, Acesso em 27/05/2017, p.37.
[2] SHAVELL, Steven. Why Breach of Contract May Not be Immoral Given the Incompleteness of Contracts. Mich. L. Rev. 2009, p.1572.
[3] FORGIONI, Paula A. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. RT, p. 194-195.

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A guerra como fator de renegociação de contratos
Uma última homenagem
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