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Por Redação O Sul | 27 de agosto de 2019
Criticado pelos incêndios na Amazônia, o governo Jair Bolsonaro diz ser vítima de uma campanha no exterior, na qual o discurso ambientalista serviria de pretexto para interesses econômicos de outros países na região e buscaria enfraquecer o agronegócio brasileiro diante de competidores. Saiba mais sobre a história do interesse estrangeiro na Amazônia. As informações são do jornal Folha de S. Paulo.
Um dos objetivos dessa campanha internacional, segundo o governo, seria questionar a soberania do Brasil sobre a Amazônia, abrindo o caminho para a sua internacionalização ou para a criação de estados autônomos em terras indígenas.
A tese, que ecoa antigas preocupações das Forças Armadas, teve bastante projeção na ditadura militar (1964-85). Ela se ampara, em parte, em momentos históricos em que estrangeiros cobiçaram as riquezas da Amazônia e nos discursos de agricultores europeus e americanos que defendem a preservação da floresta por temerem a expansão da produção brasileira.
Mas o argumento não leva em conta as várias ocasiões em que estrangeiros investiram na Amazônia com a concordância do Brasil – como o próprio governo Bolsonaro tem estimulado – e o crescente movimento que vê a proteção de florestas tropicais como crucial para mitigar o aquecimento global.
A posição também tende a ignorar o papel que brasileiros – entre os quais indígenas e geólogos – tiveram no arranjo legal que resultou na demarcação de grandes terras indígenas na Amazônia, várias delas em áreas ricas em minérios.
Cooptação de indígenas
Na tese de doutorado “Amazônia: pensamento e presença militar”, a cientista política Adriana Aparecido Marques, professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), conta que os temores das Forças Armadas quanto à cooptação de indígenas por estrangeiros remontam à época em que a Amazônia teve suas fronteiras demarcadas, no Brasil Colônia.
Marques diz que “os fardados temem que os indígenas contemporâneos ajam como alguns de seus antepassados, que, no passado, aliaram-se a ingleses, holandeses e franceses que pretendiam conquistar terras na região”.
Estrangeiros
“A ameaça à soberania brasileira na Amazônia de fato existe e, de vez em quando, ela floresce”, diz à BBC News Brasil o general de reserva Humberto Madeira, hoje chefe de gabinete do deputado federal Coronel Armando (PSL-RJ).
Quando foi presidente da França, entre 1981 e 1995, François Miterrand defendeu a visão de que a Amazônia era um “patrimônio da humanidade”. A tese foi reciclada pelo atual presidente francês, Emmanuel Macron, que se referiu à Amazônia como “nosso bem comum” ao criticar os incêndios na floresta nas últimas semanas.
Segundo Anthony Pereira, diretor do Brazil Institute da Universidade King’s College, em Londres, a tese de que a Amazônia “pertence ao mundo” não é nova.
Adriana Aparecido Marques, da UFRJ, afirma em sua tese que os militares brasileiros se veem como sucessores dos colonizadores portugueses em relação à Amazônia e compartilham da crença de que a região precisa ser ocupada por não indígenas para que o País não a perca.
Política indigenista
A visão de que a estratégia de colonização da Amazônia segue válida ainda tem defensores nas Forças Armadas.
Em 2008, o então comandante militar da Amazônia e hoje ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, general Augusto Heleno, disse que a política indigenista brasileira deveria ser revista por estar “completamente dissociada do histórico de colonização do nosso País”.
Na primeira metade do século, governos e investidores estrangeiros passaram a mirar o potencial da região para a produção de borracha, cuja principal matéria-prima advinha de uma árvore local, a seringueira.
Atento ao interesse, o governo Getúlio Vargas negociou com os EUA em 1940 um acordo para fornecer látex para as Forças Armadas americanas durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45) e interromper as exportações para os países do Eixo (Alemanha, Japão e Itália).
Interferência
Episódios posteriores à Segunda Guerra ampliaram o receio dos militares sobre interferências estrangeiras na Amazônia, conforme atestam várias monografias publicadas pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.
A causa amazônica transcende questões comerciais e mobiliza muitos outros países que não disputam com a agricultura nacional, caso, por exemplo, da Alemanha e da Noruega, os principais doadores do Fundo Amazônia.
Além de abrigar a maior biodiversidade do mundo, a floresta é vista com um imenso depósito de carbono num momento em que o mundo tenta reduzir suas emissões de CO². Preservar a Amazônia significa impedir que se injete ainda mais carbono na atmosfera, pois a derrubada de matas tropicais é uma das principais fontes dessas emissões.