Quarta-feira, 04 de dezembro de 2024
Por Ali Klemt | 1 de dezembro de 2024
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Qual é o preço de corromper a sua própria história, modificando a essência do que te fez grande, em prol de conquistar um novo mercado?
Trago essa questão a partir da mais recente polêmica da área do marketing, mas ela vale para a vida. Então, bora refletir!
O caso envolve o rebranding (ou seja, a reformulação da marca) Jaguar. Sim, aquela dos carros de luxo, com uma pegada tradicional e sofisticada. Aquela que você associa a James Bond e o ápice da aristocracia britânica. Aquela que você, imediatamente, identifica porque, afinal, tem um jaguar saltando sobre o nome da marca. Sabe essa? Pois é. Resolveu mudar com-ple-ta-men-te e divulgou a nova marca, sem o felino, em uma campanha “moderna e disruptiva”, identificada com a androginia e um público mais “mente aberta”. A justificativa é que o consumidor da Jaguar está envelhecendo, portanto, é preciso atingir um novo mercado (leia-se, quem compra Jaguar está morrendo e eles estão preocupados porque vão perder a clientela). Será?
O fato é que a mudança brusca de visão incomodou – e muito. E é certo que eles anteciparam a perda do seu público cativo. A questão é se terão “verdade” o suficiente para conquistar o novo público almejado.
E é nesse ponto que eu queria chegar. Porque, afinal, a compra de um item desse quilate se dá por fatores emocionais, pelo que ele simboliza, pela história. Pelo que a aquisição te faz sentir. É como se a você fosse permitido entrar no exclusivo mundo da marca. É sobre pertencer. E pertencimento é sobre relacionamento real. Relacionamentos é sobre compartilhar uma verdade.
As redes sociais se tornaram uma vitrine através da qual as pessoas tentam vender a sua imagem. Sim, é sobre vender para o mundo que você quer que acreditem que você seja – não necessariamente o que você é. E esse é um risco enorme, porque, mais cedo ou mais tarde, a sua essência aflora. A sua verdade vem à tona. E, aí, a reputação rui.
O que mais temos visto são pessoas tentando vender uma imagem de sucesso, de poder, de liderança. Ou de disruptividade, criatividade, inovação. Ou de sedução, beleza. Arquétipos. Enquadrar-se em caixinhas. O que faz todo sentido – se corresponder ao que você é de fato.
Na contramão da Jaguar, viralizou um anúncio da Volvo. Marca reconhecida pela sobriedade e por ter foco absoluto na segurança, o filme acompanha a conversa de um homem com a sua mãe, na qual ele conta que será pai e relata tudo o que imagina sonhar com a chegada da sua filha. Um homem. Hétero. Um pai tradicional (aliás, há algo mais disruptivo que isso atualmente?). Nós vemos o crescimento da menina e o desenrolar da história familiar, enquanto a esposa grávida caminha pela rua, distraída e feliz com a notícia da gravidez. Tão distraída que atravessa a rua sem olhar para os lados, e não vê um carro vindo em sua direção. Um Volvo que, graças a todo o sistema de segurança, freia e impede o atropelamento. E a frase final: as vezes, os fatos mais importantes da sua vida são os que não acontecem. Pá!
Em poucos minutos, a marca reforçou tudo pelo que sempre lutou. A Volvo renunciou à patente do cinto de três pontos por entender a importância da segurança para todos os motoristas. A marca foi coerente com os seus valores – e, por isso, se mantém íntegra. Goste ou não, ela mantém suas prioridades e valores. Coerente.
Veja, eu não sou contra mudanças. Pelo contrário, mudanças são ótimas, saudáveis e interessantes. Desde que façam sentido com a transformação interior que se desenrola. Porque a mudança é uma porta que se abre por dentro e deve refletir o que de lá vem. Tem que ser evolução. Caso contrário, é só encenação. E aí, não se sustenta. Ninguém compra, seja um carro, seja um relacionamento.
Não caia na armadilha de ser mais do mesmo. Coerência e respeito à sua verdade. Isso vale para marcas, mas, principalmente, para pessoas.
@ali.klemt
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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